domingo, janeiro 15, 2006

Uma sugestão para mapear a violência por dentro


Uma maneira de entender a violência é se identificando a ela. Não digo aceitando-a. Seria um despropósito de minha parte. Mas inserido-a na nossa história individual, contextualizando-a em nossas vidas, entendendo como fazemos parte de um processo maior de produção da violência.
Tenho pensado num ditado que minha avó sempre repetia que julgo interessante para pensar mundos invisíveis de nossa violência social: “cachorro que muito anda ou apanha pau ou rabujo”. Ditado que visava limitar o campo de possibilidades do estranhamento antropológico natural da criança-neto, aquele estranhamento possível com a variação mínima existente entre diferentes grupos de pessoas vivendo como subconjuntos de um conjunto mais amplo e homogêneo de uma sociedade. Os grupos existentes na ur-6 poderiam ser classificados em diferentes categorias variando segundo os critérios taxonômicos dos classificadores. Minha avó, católica do jeito que era, tinha mania de posicionar os indivíduos do bem como estando no grupo dos “moços e moças de família”, os do mal eram “filhos e filhas da vida”, os “deixados a esmo”.
Não é minha intenção, naturalmente, fazer um juízo de valor daquilo que minha falecida e amada avozinha dizia. Mas como ponto de reflexão, o fato dela querer no seu discurso, desqualificar socialmente alguns elementos da vida social, pareceu-me relevante. A vontade dela de me proteger dos riscos do desconhecido provável (espécie de reconhecimento de que aquilo que acontece por perto pode nos atingir), dos perigos de um mundo do possível extremamente próximo, mas mantido a distância pela força de um desempenho discursivo, pode dar pistas sobre os modos de apreciação e operação que sustentam uma realidade social vivida como exterior mesmo se compartilhada num espaço físico delimitado e relativamente pequeno. Eis a questão: como é que pessoas de uma mesma localidade, vizinhos geográficos, criam abismos simbólicos entre si que terminam por constituir a invisibilidade social do absurdo da “natureza violenta” de alguns dentre eles? Em outras palavras, o que ler daquilo que ela me dizia para que eu deixasse de lado a “malouqueirada”? O que entender da visão negativa dela sobre a diversão solta e sem controle das ruas? O fundo moral era claro e normativo: cachorro bom, de raça, mora em casa e nela fica. A rua é o lugar do viralatismo sem futuro, lugar de contatos com pulgas perigosas, carrapatos desprovidos de piedade com os caninos de boa índole e família.

Pequena inflexão da soberba sociológica

Pode até parecer sociologia atrasada e barata essa de ficar pensando o mundo social se contrapondo à famosa sabedoria popular. Mas imaginem que desse tipo de visão viralatista da rua, presente no ditado popular, não escapa a sociologia que em raras ocasiões trata de certos aspectos considerados marginais das consideradas margens da vida social. Visão esta em parte responsável pelo que chamamos de miserabilismo na produção sociológica, uma atitude de complacência e condescendência em relação aos mais desprovidos: "pobrezinhos", "coitados", "quão horrível é tal situação". E quando trata de maneira diferente, o faz no mais das vezes naquele sentido meio tosco da crítica que quer sentir-se gloriosa de si mesma, o faz visando o benefício do narrador do qual falava Foucault : aquele sentimento de liberação que o fato de expor em denuncia uma repressão produz em prol do locutor da denuncia. Quando mais atenta, atina para as antinomias de sua própria cegueira: constata em si mesma as variações entre miserabilismo (viralatismo do povo) e populismo (pedigrismo do povo). O populismo que é um miserabilismo invertido, pois, no lugar do « coitadinho », do « pobrezinho », propõe o “bom selvagem”, o “homem de dignidade”, aquele que “mesmo se pobre e lascado” nunca desvirtua. O homem que mesmo semi-alfabetizado “toca rabeca de maneira tão magnífica quanto um bom violinista clássico toca seu violino”, o homem que apesar dos pesares não pesa tanto em suma. O ponderar desses limites analíticos pode ajudar na reflexão.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

A ausência


Depois de tanto tempo de descaso, qual o tema necessário? A ausência, claro. Não estive aqui. Renunciei meu direito de escrever besteiras. Deixei de lado o espaço da partilha e fiquei comigo mesmo, ensimesmado. Cara fechada, sem expressões. Falta da dramaturgia no rosto pálido das palavras não ditas, não escritas, silenciadas no âmago do desistir momentaneo. Que brega isso. Mas continuemos. Não estar em lugar nenhum, deseparecer de um espaço, desconhecê-lo. Sim. Esquecer como se faz, como se fez e o como se queria fazer( o blogue). Desprezar todos os textos. Rastejar sem eles. Viver a dialética rarefeita do mundo que se faz da espera. A espera é o ser da ausência. Nem a Lispector diria algo assim. Eu digo. E espero que nem tudo tenha sido falta. Pois não ter conteúdo é falta de consistência nas tripas do espírito. E faltar com a sabedoria é violação da força de vontade. Eximir-se dos erros evitando as tentativas, eis o que de fato é extiguir-se da própria vida.

E volto assim de supetão com essa filosofia de três tostões e um garrincha. Pois Deus é quem fazia dar dribles certos por pernas tortas. Eu, sem pretensão à divindade, entorto filosofias para querer viver com alguma razão(certa ou não). Tratemos de valtar então. Lentamente voltemos. Com toda razão.

Jampa.

Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.