terça-feira, março 30, 2004

Tarde meta[física] (ao amigo Ton)

Era uma tarde de quarta-feira(chuto). Um dia de reunião para um grupo de estudantes militantes. Acredita-se em tantas coisas quando na primeira juventude, não é? De hoje o objetivo do encontro parece opaco: ver e debater O ponto de mutação, filme inspirado do livro de um físico crítico da física. Capra, vocês devem conhecer.

Diferente dos contatos iniciais com a ciência, esse encontro se iniciou em debate filosófico diletante. Coisa boa. Pois na escola, saber dos estados da matéria era chato. Alí não, todos queriam dar opinião sobre os fundamentos da ciência em si, um verdadeiro exercicio de epistemologia dos mais deliquentes. No fundo, acertava-se tudo. Quem discordava, estava certo no direito de não aceitar passivamente a opinião alheia. Disturbio postumo foi ter de admitir que tal principio já havia sido enunciado por Voltaire antes mesmo da Revolução Francesa. Não eramos inovadores. Já se havia dito antes" Discordo de você, mas morro para garantir o direito de poder lhe ouvir." Encontrava-se, porém, uma vantagem no propósito pos-iluminista: sabida as mortes, a guilhotina, a violência do Terror, resignavam-se os jovens do novo mundo ao verbo, à verborragia conciliadora e democrática. Os supostos revolucionários nunca chegaram as vias de fato. A forma detia o mundo sensível, a palavra retinha o universo, os macros, os micros. A exterioridade do real parecia evidente mesmo se questinável. Uma jovial cordialidade newtoniana à brasileira!

Ninguém via nesse clima problema de cinismo relativista. Afinal de contas, não existia respeito pela idéia falsa, apenas vontande de deixar sair o pensamento. A justeza era importante, mas a possibilidade do expressar tinha sido prioridade garantida pelo pricipio de Justiça. Naquele clima, questão de honra era encontrar-se mais proximo da verdade deduzida, extraída pela razão especuladora do real do mundo. Todo mundo era incoscientemente racionalista.

O que se entendeu do filme? Quem sabe? Eh provavel que apenas a noção de paradigma tenha sido clara o suficiente para resistir à ignorância do momento. Mas isso não é importante. Seriam essas lembranças puro saudosismo(mas longe de casa, não seria saudade, mesmo em "ismo", nobre?), ou elementos para tirar do passado não muito distante uma fortuna de motivações iniciais para uma reflexão sobre a importância da curiosidade extra-escolar?

***
Aproveitando o ensejo
(Retificando...)
O querido Bernardo Jurema pediu-me um texto sobre a escola. Não sei nada sobre escolas. Meu texto anterior não pretendia falar propriamente disso. Sempre tive problema com essa coisa. Dado diz que eu procuro pedagogização. Sou péssimo nisso. Tudo que é formal me apavora. Minhas notas atuais em estatistica são os indicadores.

O que tentei fazer em breves linhas foi refletir sobre as dificuldades e facilidades na escola de pessoas vindas de origens sociais diversas. Por quê? Bem, acho muito interessante a argumentação de Bourdieu nesse sentido, pois ela sai daquela coisa do "o cara tem jeito para escola" e consegue dar resposta sociológica às razões de tanta dificuldade dessas pessoas de classes sociais menos favorecidas, ela encontra causas para o "não dar certo na escola" delas. O dar certo fora da escola não era meu ponto. Menos ainda o papel que escola deveria ter num "dar certo na vida". Esclarecido esses detalhes, volto ao Graciliano.

sábado, março 27, 2004

Reflexividade pela mimesis

Sempre reclamo de minha formação esburacada. Tenho mesmo a impressão de ter chegado na universidade sem saber ler, escrever. Lembro, de lembrança nítida acentuada de vergonha, do comentário duro e sem ternura vindo numa prova de teoria sociológica: " um texto sem parágrafos não é texto. Você deveria se dedicar a um estudo de redação." A dureza era mais na percepeção, pois se o texto havia saído sem as divisões era por ter imaginado aquele estudante pedante que poderia escrever como o Kant, que estava lendo. De fato, revendo a bendita avaliação vejo a inexistência nela de português inteligível. Na época acreditava de verdade numa tolice: escrever dificil era sinônimo de inteligência. Mas de onde vinha essa crença? Quais os motivos dela? Por que admirava tanto amigos inteligentes, "sabidos em escritura"? Acho que o problema vem da tentativa de imitar. Será?

Habitus de senso prático

Disse um grande sociólogo da segunda metade do século XX: a escola reproduz as inegualdades sociais. Formulação contra-intuitiva, aparentemente simplória, mas de profundo teor crítico, pricipalmente se pensamos num país como a França onde a ideologia da escola republicana é imbricada ao estatuto da igualdade de condições gerados por um aparato esducativo único, universal. O interessante nesse argumento para um estudante de início traumático como o meu é o de poder estabelecer, por entendimento téorico, uma distinção téorica entre formas distintas de aprendizado, modelando assim, as relações causais entre dificuldade de aprender pela pedagogia (na escola) e a facilidade. Em outras palavras Bourdieu diz por quais razões práticas (na verdade, uma ausência de prática teorica), os filhos de trabalhadores vão ter mais dificuldade para se adaptar ao sistema escolar. Ele chega mesmo a usar a palavra aculturação para ilustrar, em oposição a uma continuação vivida pelos filhos dos profissionais liberais , o processo vivido por aqueles alunos no seio do universo pedagogizado. De um lado, crianças vivendo uma aprendizagem semelhante à da escola em casa: seria por isso que não conflituam. De outro, mulecada aprendendo em casa por mimetismo, por imitação do gesto (e não pela objetivação da regra como na pedagogia): motivo pelo qual sentem-se fora de lugar, e enfrentam dificuldades maiores para entender as razões desse estranhamento.
No Brasil não vejo cabimento para essas análises tais como elas se encontram em França. Nossa educação não é unica e não precisamos de análises mais finas para poder perceber tantas desigualdades. Porém, não há como negar: elas situam bem, se as entendemos em sentido inverso, o mal estar de muitos dos intelectuais brasileiros das mais diversas origens. Penso que muitos deles (sendo autoditatas) passam por um processo de aprendizagem de tipo mimético: eles imitam estilos, formas, conteúdos para em seguida, depois da assimilação, caminharem em discurso defensivo em direção à autenticidade relativa dos seus trabalhos. Na verdade, muitos de nossos mais talentosos pensadores, imagino, formaram-se por uma espécie de inversão do processo formal, institucional do aprender. Como se fossem a pele da crítica do construtivismo à pedagogia clássica. Em outras palavras, assimilaram em senso prático o valor da objetivação efetivada pelo recurso pedagógico.

Prova de recuperação

Nunca tirei notas ótimas. Fui um péssimo aluno, uma peste. Burro mesmo, por assimilação. Acho que a falta de verbalização das preceduras de aprendizado é um indicador forte nesses mecanismos de bestificação de garotos em relação à cultura escolar. Numa casa onde as pessoas articulam oralmente, por exemplo, etapa por etapa, os passos que uma criança deve dar para aprender a andar(sei, é piégas meu jogo de palavras!), nela a mesma criança vai imcorporar os instrumentos de aprendizagem próprios à disciplina escolar. Já em outra residência a qual o pupilo é um ente fadado ao ensinamento dos tombos, do olhar como se faz, a escola provavelmente vai aparece como elemento de resistência maior, pois uma apredizagem da apredizagem se torna necessária.
Não sei do valor disso que venho de escrever. Sabarei pelos comentários.

quarta-feira, março 24, 2004

Um bruto de sensibilidade

Pausa na melancolia pequeno-burguesa e egocêntrica do blogue para leitura de um poema seco, maduro. Poesia de faca e pedra, socos em palavras referidas a um homem duro, um cascudo. Na verdade, uma ode seca ás vozes de um autor retentor de palavras. Rentendo o dito para expressa-lo em língua de lâmina afiada(falo com o que falo), e depois refletí-lo(falo somente do que falo) de maneira humana e engajada( falo por quem falo), findando por repatí-lo(falo para quem falo). O rio que corre das vidas secas pelo verso de João Cabral.

Graciliano Ramos (por João Cabral de Melo Neto)

Falo somente com o que falo:
com as mesmas palavras
girando ao redor do sol
que limpa do que não é faca:

de toda crosta viscosa,
resto de janta abaianada,
que fica na lâmina e cega
seu gosto da cicatriz clara.

***

Falo somente do que falo:
do seco e de suas paisagens,
Nordestes, debaixo de um sol
ali do mais quente vinagre:

que reduz tudo ao espinhaço,
cresta o simplesmente folhagem,
folha prolixa, folharada,
onde possa esconder-se a fraude.

***

Falo somente por quem falo:
por quem existe nesses climas
condicionados pelo sol,
pelo gavião e outras rapinas:

e onde estão os solos inertes
de tantas condições caatinga
em que só cabe cultivar
o que é sinônimo de míngua.

***

Falosomente para quem falo:
quem padece sono de morto
e precisa um despertador
acre, como o sol sobre o olho:

que é quando o sol é estridente,
e contrapelo, imperioso,
e bate nas pálpebras como
se bate numa porta a socos.

sábado, março 20, 2004

Bernardo contra a burguesia?


Dado já votou em Pantaleão. E com orgulho, disse ele. No fundo, o que houve foi um não-voto. Uma recusa: "votar em Humberto, nem a vaca tossindo e falando! O cara é um mau carater. Não voto em cabra safado não." Votou no "companheiro Panta" por pura vingança...

O primeiro paragrafo foi só para lembrar o como a extrema esquerda pode virar opção ética em momentos de crise no PT(risos, por favor!). Na verdade venho aqui falar de alguem que se considera inimigo número 1 do burguês sem ser do PSTU: Bernardo Jurema. E de maneira bem esquisita. Bem, o que venho dizer de fato não é sobre Bernardo, mas de algo causado por uma negação feita por ele, uma verdadeira confusão.

Foi assim


Tudo começou com um comentário de Rodrigo Wanderley (sem bricadeira, todos os cabeleireiros deviam ter o nome de Planeta, sem exceção!). Nele se lia uma crítica ao tratamento desigal dado pela F. de São Paulo em comparação a de um outro jornal em relação a crise no PT. Planeta pedia que antentassemos para a senguinte conclusão: "FOLHA de S.PAULO, um jornal a serviço da Burguesia."
Bernardo, burguês antiburguêsia que é, escreveu um texto indignado. Nele se lia uma crítica a forma pela qual se julgava a F. de São Paulo. Jurema dizia:"mas o que é que quer dizer ser burguês? Todo mundo é burguês. Jampa é burguês, o prefeito do Recife é burguês. Esse conceito de burguesia é datado." Até aqui, só descrição discreta.

Ponderação à esquerda de BJ

Mestre Diogo, sabido que é em marxismo e por conseguinte em burguesia, explicou em tom sabidamente marxista em que Bernardo se equivocava. Pois é verdade: negar a noção de burguesia é negar boa parte da sociologia (coisa grave!), negando assim a realidade dessa classe cujo a qual sem ela, não poderíamos falar do nosso querido sistema capitalista. Ora, o capitalismo existe e a classe que historicamente lhe deu sustentação foi a burguesia. Podemos falar sim de caráter bruguês de manutenção de privilégios, principalmente depois da Revolução Francesa(...)

Ponderação à direita de Diogo

Porém mesmo tendo sido acusado de tal doença por BJ, tendo a convir com ele nas entrelinhas. Muita vez o burguês sai do concreto de sua realidade de classe dententora e defensora de privilégios para adquerir, na boca de quem diz, uma força metafísica, transcendental. O contra buguês votee 16 é uma expressão que mostra a força redutora da palavra quando esta perde suas qualidades conceituais e entra no vulgo ordinário. Ao se expressar dessa forma, intuimos uma burguesia detentora do privilégio de encarnar o mal de uma sociedade de maneira abstrata e supranatural. Coisa que bons marxistas evitariam.
Trem das 11


Viagem corriqueira de fim de semana. Sair de Lyon e vir à França profunda, agrária, interiorana, não é mais novidade. Faço isso desde do início do ano universitário, em setembro. O percurso dura duas horas e trinta minutos no relógio, mas dependendo do livro que estiver lendo a impressão do tempo pode diminuir ou aumentar.
Confesso, ontem não teve leitura salvadora. O tempo não parou, mas o trem quebrou. A viagem durou seis horas e quinze minutos. Os segundos pareciam se contar: um segundo, dizia um segundo ao outro. O sengundo sou eu! Exclamava o terceiro segundo ao primeiro, que também era um segundo como o segundo segundo(...), e assim, seguiam eles, de segundo a segundo, de segundo em segundo, senguindo, em direção ao infinito, eu acho. Sim, eu juro, repetição de relógio digital é assim!

Outra coisa

Sinto falta da fineza do humor recifense. Sim. Porque no Recife ônibus que pára em todas as paradas é cata-corno. Aqui a porra do trêm pára muito mais (sem falar no francês ao lado que quando fede o faz com gosto, bom gosto... ô povinho para feder com refinamento!!!). Porém, ao invez de serem realistas como nós, atribuem ao vuco-vuco um nome politicamente correto: "train à vitesse moderée" (trem a velocidade moderada). Para mim, um puta de um eufemismo.

Mais do refinamento

Nem tudo na viagem foi monotono e chato. Meu vagão, por exemplo, tinha gente muito refinada.
Uma mulher com uma voz bem aguda contava abertamente coisas da vida "intima" dela. Eu estava achando ótimo, pois quando ela falava os segundos calavam. De supetão um milico francês de voz bem grave mandou-a calar a boca. Exercicio difícil para tal "madame", ela não se conteve e disse como se fosse mulher nascida na UR-6: "vem me calar se tu és homem"! Bem, em francês dava uma coisa mais amena do tipo "si tu viens tu vera!" (Se tu vens, vais ver!) O militar não calou: "quebro-te a cara" (je te feut une gifle). Ela retrucou: " vem fazer" (viens!). - Nesse momento pensei em Nelson Rodrigues, não sei porquê!- Houve um momento de silêncio. A dama comentou baixinho com o moço do lado com quem se confessava antes da celeuma:" se ele vem e me bate, boto ele na justiça e ainda me faço uns trocados!"(s'il me frape, le tribunal est la place pour faire la justice).
Resumo: sou um péssimo tradutor de francês. Mas a história é veridica.

segunda-feira, março 15, 2004

A história do sindicato dos metalurgicos : versão infantil


Minha visão do PT foi construída na vida cotidiana. Ela tem a ver com o dia a dia de um garoto de suburbio recifence crescendo em meio a realidades distintas. Olhar de menino que via seus pais se bater pela sobrevivência deles e a dos outros. Perspectiva positiva e esperançosa, apesar da dureza de algumas experiências.

Pretendo aos poucos ir deixando aqui uma pequena história das marcas de várias crises vividas por mim em relação ao partido dos trabalhadores. Claro, nada com valor histórico. Apenas lembranças pessoais muito influentes em minha vida. Os amigos que quiserem acompanhá-la, devem entendê-la como esforço autocrítico também. Ela é, pois de certa forma real, história de transição entre duas negações minhas em relação ao PT: a primeira, infantil demais para ser levada a sério ; a segunda, vinda depois de uma afirmação mais ou menos racional e adulta, séria demais para ser levada em consideração. Não se deve ver nela nem uma crítica ao atual estado do partido, nem uma postura melancólica de minha parte em relação a um PT mais próximo do socialismo, ainda sonhado…


Sindicato X PT : a época de ouro de um sindicato inimigo

No início o PT não era importante. Ele era frágil demais, eu nem precisava fazer muito esforço para derrotá-lo. Nem saber de sua existência, sabia. E se sabia, não lembro. E isso confirma a insignificancia dele em épocas remotas de minha memória.
O que eu lembro primeiro é do sindicato dos metalurgicos. Meu pai era presidente : eu achava isso o máximo. Ter um pai presidente de alguma coisa, mesmo não entendendo absolutamente nada das palavras sindicato e metalurgico, parecia ser algo importante. E criança entende rápido as primeiras lições de sociologia : o status social é coisa séria, se não determina, indica que é uma beleza a disposição das relações de poder. Presidente! Poxa, coisa de gente grande e importante.
Porém, em contrapartida ao orgulho inicial, logo entendi uma outra lei sociológica formulada assim pelo garoto : « gente importante é muito ocupada, não tem tempo para brincar com os filhos ». Causalidade que num futuro próximo ganharia na minha cabeça nomes gigantes e confusos. A ciência de novas palavras só veio atrapalhar minha compreensão precisa dos fatos. Capitalismo era inimigo e socialismo, amigo. Desses elementos de base, todo um esforço vão era necessário para entender o porquê do meu pai nunca ficar em casa.
Pois era assim : o sindicato dos metalurgicos, essa entidade de nome esquisito, era um monstro que tomava meu pai todas as noites. « Cadê painho, mainha ? » Pergunta de menino amerelo (na época não imaginava que o amarelo podia ser cor oposta ao vermelho : as duas cores estavam nas bandeiras da China e URSS) ! « Tá no sindicato em reunião », respondia minha mãe. Se o sindicato era mau, reunião devia ser mais. Eles sempre diziam a esse respeito : « a união faz a força, precisamos nos reunir. »E iam para essa tal de reunião…
Reunião é uma palavra com poderes nefastos. Eu sempre imaginava David Cooperfild dizendo-a para fazer desaparecer pessoas aos domingos, no Fantástico. « Reunião !», dizia ele com aquele ar de mágico de oz, e a moça loira e gostosa desaparecia. « Metalurgico !», enfatizava, e ela se tranformava em tigre. Nada mais fácil. Acho ele deve ter dito « sindicato ! » para se livrar das correntes…
Uma comparação

Fui ver uma adaptação da peça O diário de um Zoológico de Albee aqui em Lyon. Vi para poder comparar com a do meu amigo João, pois havia gostado muito da dele... Gostei do trabalho dos francêses, sobretudo do ambiente intimista do pequeno teatro d' Annagrame. Porém, achei que o nível de dramaticidade atingido na montagem recifence de qualidade superior. Na verdade tanto numa como n'outra existe um desnível entre os dois personagens da péça(lembro apenas de Jerry em ambas!). Talvez essa diferença exista já no texto e seja dificil de ser trabalhada cenicamente dando organicidade a ligação entre os dois individuos que se relacionam em um parque. Seja qual for o motivo dessa desigualdade, percebo que é importante notar as variações de comportamento de Jerry e a violência provocada por estas. Pude obeservar que o Jerry do meu amigo João conseguiu dar a essas variações, se comparado ao do ator francês, uma aparência bem mais coerente no sentido de construção de uma verossimilhança pscicológica do personagem. Um exemplo disso encontra-se num dos momentos mais fortes do texto: a hitoria de Jerry e o cachorro. Na montagém francesa, a formulação cênica não ajudava a intensificar o elemento trágico contido no texto. O cachorro era "vivido" por um cão em pelucia e isso impedia, ao meu ver, que o ator expressasse o sentimento de empatia contido no texto entre animal e homem. Já na adaptação recifence a solução cênica foi muito mais precisa. Eu penso sobretudo ao exercicio que assisti na UFPE que deu origem à motagem. Nele, em lugar de usar um objeto qualquer para produzir o efeito do dialogo com o canino, o outro ator faz o papel do animal. Impressinante a diferença. Eh preciso dizer que o efeito de contraste do texto que -- ao tentar exprresar o desespero de um homem ao se deparar com o olhar, o suor, os odores do "cachorro", ao estranhar e tentar inutilmente se comunicar, causar um efeito de empatia com um animal, com um objeto, com o papel higiênico -- é mais latente quando o objeto, o animal, o suor, dão respostas ao próprio texto? Ora, na montagem francesa o fato do cão ser um objeto faz com que o ator force uma relação homem/objeto traduzida cenicamente da mesma forma. O público percebe isso. Já o expectador da peça no Recife tinha impressão de ver no cão vivido por Rafael o outro lado de Jerry... O outro, por mais outro que seja, olhava pra mim quando eu olhava pra ele.
Por essas e por outras, sou mais a do meu amigo João! Será que é bairrismo?

quinta-feira, março 11, 2004

Madrid

Não cosigo falar do terrorismo sem achar que estou sendo cinico. Mas como calar? Diante dessas mortes na Espanha é o medo que toma conta da Europa. Vamos ver cometários estranhos caso a hipotese do atentado ser mesmo do Al Qaeda se confirme. Já ouvi um do tipo medroso, mas sensato dizer: " espero que tenha sido o ETA, um problema local é menos ruim". Dificil não imaginar o terrorismo como globalização de um mal estar gerado pelo medo.
Mundo Hobesiano de merda.
Nem pensar no "chez moi" é confortante. Imagino que risco de morrer num assalto no Brasil deve ser maior do que de ser vitima de um atentado. Porém acho mais autêntica para mim a morte matada no meu canto: sentiria-me mais responsável pelo estado de coisas causador do meu fim.
Não, digo besteiras. As familias das vitimas devem entender tanto quanto eu das razões do terrorismo(se é que existe razão nessas atrocidades!) Talvez por isso sinta cinismo: ninguém fala da morte em consciência de causa. Contudo, quem fica pode contar a hitória do ódio, da revolta, da agônia...
Muito triste. Tudo isso é muito triste.
Uma voz filosofica do PT

Fiquei impressionado com um texto da Marilena Chaui no qual ela defende a famosa reforma politica. Uma defesa de Dirceu, sem duvida. Uma defesa legitima. Mas o que me intriga é o fato desse tipo de analise vir a tona apenas no governo do PT. Outra coisa, até Spinoza é usado para salvar o bicho homem de seus males inerentes, como se os atos dos governantes nao tivessem nenhuma imbricaçao ética necessaria... (Nao num governo de virtuosos como é o do PT). Em prol da reforma política ela encontra uma pérola de Spinoza: "por natureza, e não por vício, os seres humanos são movidos por paixões, impelidos por inveja, orgulho, cobiça, vingança, maledicência, cada qual querendo que os demais vivam como ele próprio. Mas também são impelidos por paixões de generosidade e misericórdia, amizade e piedade, solidariedade e respeito mútuo. Pretender, portanto, que na política se desfaçam das paixões e ajam seguindo apenas os preceitos da razão `é comprazer-se na ficção'." E conclue: " Por conseguinte um Estado cujo bem-estar, segurança e prosperidade dependam da racionalidade e das virtudes pessoais de alguns dirigentes é "um Estado fadado à ruína". Conclusao de Marilena: "Virtudes e vícios do Estado não são virtudes e vícios privados dos dirigentes e cidadãos, mas virtudes públicas, isto é, a qualidade das instituições, ou vícios públicos, isto é, deficiências institucionais. Assim, a crítica moralizante à corrupção cede lugar à crítica cívica das instituições, ou seja, à moralidade pública.
Quando falamos em reforma política, é disso que estamos falando."

Assim salvamos Dirceu de seu suposto desvio de conduta moral, afinal: todos somos viciosos. Viva Spinoza. A culpa é do "governo", não dos governantes. Sempre defendi Marilena dos ataques meio ridiculos de certos inimigos de sua filosofia... Hoje encaro com certa melancolia a época que lia seu manual: Convite à filosofia. Triste, não acham? Não posso negar: sinto falta do PT oposição. Sou um saudosista... Ah minha infância!!!
Sonho

Estou numa casa. O ambiente é kafkiano. Um medo, meu irmão Pedro está comigo. O que buscamos? Aparentemente sei da existência de animais lá e gostaria de mostra-los ao pequeno. Adamos por lugares estranhos e, ao fim de um corredor, vemos um vulto humano. Alguém de humanidade má, suponho. Peço a ele autorização para ver alguns cães, faço isso timidamente pois receio algo. Penso comigo mesmo:"ele deve imaginar que somos ladrões". O homem se aproxima e grita qualquer coisa. Não entendo, mas respondo assim mesmo dizendo a ele "não sou ladrão se fosse não traria meu irmãozinho, estamos aqui para ver animais". O sujeito nos olha um pouco e abre uma porta. Vemos uma grade e cães ferozes latindo violentamente. Lembro no sonho de já ter sonhado em mesma localidade. O elemento novo é Pedro. Só penso em poder salva-lo. Nesse momento percebo os cães mordendo raivosamente o braço do homem, o sangue dele escorria e se aproximava de nós. Estranhamente o sujeito não parecia sentir dor e nos olhava friamente. Como fizera sozinho em outro sonho, decidi correr e voltar ao aconchego do lar. Coloquei Pedro nas costas e corri. Havia varias portas. Para serem abertas cada uma tinha um segredo. Mas quais segredos? Acho que burlei-os, todos, um por por um. Cheguei ao jardim. Reconheci o lugar. Foi ali que vivi meu padecimento. As plantas se juntaram contra nós (mais uma vez)... Nossa batalha contra elas parecia uma luta para não esquecer porque haviamos chegado ali e a razão de não podermos sair.
Acordo com a lembrança. O olhar do homem com o braço mordido pelos cães é o que mais me apavora. Espero não mais sonhar dessa maneira...

quarta-feira, março 10, 2004

Plano

Não escrevo desde domingo. Estive concentrado, muito concentrado no início da redação de meu mestrado. O amigo Cesar, pediu a entrega dos meus planos. Vou tentar, mas previno da ambição, do careter grandiloquente do tema. Eh chocante perceber o quanto não cresci intelectualmente e vivo rodando em circulos. Mas vamos lá, espero que aguentem.

O tema que guia minha "reflexão" é o da relação entre litératura e sociologia. Desde o primeiro contato com a sociologia francesa (na França) uma pergunta aparentemente tôla me vinha ao espirito de maneira recorrente: por que os sociologos têm tanta necessidade de dizer que não são escritores?
Pois bem. Alguns trabalhos de historiadores, sobretudo o livro de Wolf Lepenies "Les trois cultures: entre littérature et la science l'avenement de la sociologie", fornecem uma visão precisa de como da tensão entre litératura e ciência a sociologia aparece como uma alternativa hibrida possível para responder um certo numero de questões. Sob o olhar histórico atingimos a questão do surgir da nova disciplina. E chegamos mesmo a entender o quanto alguns pontos de seu esforço para adquirir legitimidade dependia da distância tomada em relação à literatura. Sem entrar em detalhes, não acho ser impostura dizer que essa tensão é ainda hoje objeto de querelas dentro e fora da sociologia. Basta pensar no ultimo livro de P. Bourdieu "La misére du monde" ou nos trabalhos do sociologo B. Lahire que elaboram, a partir do "récit de vie", aquilo que este ultimo chama de "portrait sociologique". Acreditando ser um tema de atualidade imagino que as relações de conflito vividas na Europa no momento mesmo da gênese historica da disciplina tiveram história outra em região ultra-atlântica. A America Latinta, e talvez em particular o Brasil, teve elemento vário do Europeu e por isso exista lá fecunda imbricação a ser estudada dando novos contornos a questão. O que na Europa se viveu como criação de um campo (champ) especifico de conhecimento justamente com demarcações precisas de territorios simbólicos, no Brasil se construiu em superposição, em composição.
O que busco são elementos dessa composição na obra de Graciliano Ramos. Literatura não é sociologia, mas tensiona com esta quando busca fazer um trabalho de mesmo estatuto. Toda literatura do real (ou realista) ao tentar se apropriar do mundo social se compõe de elementos sociologicos e modifica-os a sua maneira. Minha análise dos textos de Gracialino tenta se ocupar de aproximações e distanciamentos entre literatura e sociologia. Engraçado perceber por exemplo que algumas querelas epistemologicas convivem harmônicamente em Infância para criar ao mesmo tempo o "efeito do real" e o "efeito poético do real". As lembraças do menino que bem podem ser vistas como descrições husserlianas de experiências do passado(talvez Bergson seja o filosofo da fenomenologia que tenha trabalhado mais o tempo passado), são contrastadas com analises objetivantes e frias do adulto próprias ao mais contudente dos positivismos. As primeiras, talvez paradoxalmente, criam o efeito do real mostrando um passado escorregadiço tal como ele se apresenta na cabeça de quem lembra. As segundas, por contraste, criam o efeito poético de quebra do universo ludico da criança pelo adulto...
Então é mais ou menos assim que corre meu plano: parto da gênese historica da disciplina sociologia na Europa. Constato a atualidade da questão. Verifico que o Brasil é um "terain" original a esse respeito. Gilberto Freyre, Sergio Buarque e quantos outros exemplificam tipicamente a importância desse pensamento hibrido. Examino como caso a literatura de Graciliano Ramos: quais os elementos de sua composição são reperáveis como sociológicos, quais não são. Desse esmagar de cana o bagaço é uma réflexão sobre a possível coexistência entre dois valores atinômicos: o da arte e o da ciência. Um oxymore!

sábado, março 06, 2004

Psicanalise

A história é a seguinte:
Primeiro passamos horas eu e a doutoranda Maira discutindo o plano de meu projeto. Ela é muito pragmática, colocou rapidamente no eixo minhas idéias que partiam sem rumo. Disse gostar do objeto e da problemática. Eu, sempre estranho a elogios, achei que ela estivesse se referindo a caneta (objeto) quebrada(problemática). Depois, mais contente e confiante, entendi que meu esforço não tinha sido vão: tinhas umas duas, três coisinhas interessantes. Agora tenho algo planificado, falta escrever.
Depois veio o momento psicanalise. Claro, dos papos intimos só conto os quase intimos(lembrem do primeiro texto deste blog!!). Adoro fazer suspense. Rapaz, foi um papo cabeça! Só vendo. Freud deve ter tremido barbaridades lá no divã divino. Esclareço: meu papo deve ser um horror para um psicanalista. De fato o Freud que os sociologos gostam mais é o do Mal estar na cultura . E isso é sem dúvida bem redutor. O problema é que é dificil não tomar distância do Doctor F., principalmente quando se trata de ler aqueles exemplos esquisitissimos dados por ele para explicar o esquecimento de palavras no Psicopatologia da vida cotidiana. Bem, não vou continuar falando dessas coisas, não é? Afinal de contas imagino que depois de uma psicoanalise... Bem, depois de qualquer analise... Acho melhor eu ir dormir.
Encontro com o Japa

Depois do papo com Hideaki cheguei a uma conclusão cabal: a melhor coisa que fiz no ultimo ano foi sair de Montpellier. O lugar é um ninho de amores rancorosos onde o ar marfesoliano é o guia sentimental da péssima conduta intelectual de alguns eruditos.
Hideaki faz um trabalho sobre diferenças culturais entre o Japão e a França. E o que senti de nossa conversa foi um temor da parte do Japa, qualquer tentativa dele para dar rigor às apirações científicas do trabalho parecem absurdas naquele lugar. Ele quer ser sério e não pode. Vê se pode!
Hoje no final da tarde vou ter um outro encontro a "trabalho". Vou encontrar com a doutoranda Maira. Ela leu meus esboços e planos e vai me dar conselhos. Estou preocupado.
Eh tudo. Se tiver saco, mais tarde conto o encontro com Maira.

sexta-feira, março 05, 2004

Mais Oxymore
Quase duas da madrugada. Estou em Paris e sem sono. Intraquilo com um mestrado impossível: o meu. Desgotoso de minha impaciência, imagino um cigarro. Tento acreditar que ele tem valor terapeutico. Um problema se revela: não fumo. Dificuldade pouco séria já que era nicotina imaginada, pouco real. Quase duas da madrugada e tento salvar em pensamento alguns contos chatos de Graciliano. Paulo Honório me vem à mente. Esqueço os contos. Acho que o grande mistério de Graciliano é o da concisão. A palavra foi feita para dizer, dizia ele numa espécie de falsa tautologia. Eu diria dele o que Bourdieu disse de outros: os escritores mais estranhos em aparência aos valores da arte pura a reconhecem de fato: verificamos isso apenas no ver suas maneiras sempre um pouco envergonhadas de a transgredir. Em obra do autor de Vidas Secas palavra não é enfeite, porém sem dúvida a contenir virou estilo, findou-se estética. Paradoxo. Nome de titulo de blog: oxymore!
Acho que já passam das duas. Amanhã cedo tenho um encontro com um amigo japonês. Faleremos sobre o trabalho dele. Coisa esquisita. Loucura própria à "sociologia" de Montpellier. Ele é orientado por Jean Marie Brhom: um professor impressionante e polêmico. Um erudito herdeiro de sequelas de mai 68. Bem, é assim que o vejo. O cara é também ele um "oxymore": reivindica o freudo-marxismo e é crítico da teoria crítica (isso me faz lembrar um texto do jovem Marx que li quando cheguei à Nancy intitulado Crítica crítica da filosofia crítica ). Funde fenomenologia e ruptura epistemológica de maneira esquisita, nunca entendi. Se reformulo imagino que o que entendo resultaria uma formula do tipo seguinte: defendo uma crítitica acritica da sociologia crítica. Ou seja: um oxymore!
Acho que já passa e muito das duas. Fico por aqui.
O primeiro cometário é sobre o governo Lula. Que absurdo é essa coisa do PT virar poder, não é? Fico daqui aterrorizado. Por mais que tente imaginar as razões dessa politica mediocre, mesmo procurando encontrar as razões estruturais com as quais o poder se explica por lógicas próprias de funcionamento (de lá uma continuidade necessária e para muitos surpriendente do novo governo em relação ao anterior), nada disso justifica o cinismo deliquente do abafa crise. Em nome [d] "a manutenção da governabilidade" e daquilo que os representantes da base govenista do senado entendem por ser " o momento que exige serenidade e compromisso com uma agenda política que impulsione o crescimento econômico e a geração de empregos no Brasil", toda uma história de relação à ética se esvai. Que coisa triste. O comentário do ministro da saúde então: estou aprendendo muito, disse ele numa entrevista, antes fizemos muitas criticas infundadas. Minha avó formularia um tal cinismo de outra maneira: "pimenta no cú dos outros é refresco". Tem gente que vai chamar isso de amadurecimento politico.
O oxymore

Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.

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Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.