quinta-feira, novembro 22, 2007

A chave estava no bolso de seu Wilson





7:00 horas e meu celular toca. Minha ex-mulher com uma voz tremula e confusa me pergunta pela chave do carro.

-- Levou a chave do carro, esqueceu de deixar embaixo?
-- Não, deixei-a com o porteiro. Com o vigia.

Tinha passado o início da noite na casa dela, tomando conta de minha filha. Desci com a chave do carro dela porque ele estava estacionado atrás do meu. Fiz a troca de posição dos automóveis e desci do meu carro porque vi que o vigia estava concentrado em algo, ele havia aberto o portão maquinalmente, como sempre fazia. E não havia percebido que queria deixar algo com ele. De fato, a troca de olhares era a maior parte de nossa relação. Em um ano, duas ou três conversas. Ele falou-me de suas filhas. Eu falei da minha, que acabara de nascer. Tímido, feio, sem dentes, lembro de ter levado para ele, uma noite depois dessa nossa conversa, um chocolate quente. Depois disso, apenas um empréstimo de dinheiro (50 reais) ao qual ele me devolveu em dia.

7:00 horas da manhã e meu celular toca. Minha ex-mulher diz com uma voz tremula e confusa que o porteiro se jogou de cima do prédio e morreu. Lembro imediatamente do tapinha nas costas dele dado por mim ao deixar a chave do carro dela com ele. Ela relata que pediu a chave lá embaixo, não estava. Já bastante confuso tento lembrar do nome dele, como é o nome do porteiro?

Talvez ele não tenha se matado por eu não saber seu nome. Quiçá também ele não tenha previsto a frieza mórbida com a qual alguns moradores do prédio falavam a respeito da “morte do porteiro”. É incrível perceber esse tipo de reação nas pessoas: descem, olham o corpo, comentam algo, falam do “vigia”. Qual era o nome dele mesmo?

8:00 horas. Chego trazendo uma cópia da chave do carro para minha ex-mulher. Vejo a movimentação no prédio. Policiais, caminhão do IML, curiosos. O portão se abre. O vigia da manhã (qual é o nome dele mesmo?) me vê chegando e faz um sinal com os olhos para o faxineiro vir a mim (ai meu Deus, esses nomes todos!). Ele traz a chave do carro... “estava no bolso de Seu Winson.”

Não. Não é porque eu não sabia seu nome que ele se matou. Nem mesmo porque a morte dele não parecia importar a ninguém, a não ser ao faxineiro que parecia desolado. A culpa da morte dele é só dele, diz o auto-engano desencontrado de alguém que faz parte de uma sociedade produtora de autocentramento exacerbado, desacertado e insensível. Como vai seu Wilson, por que essa cara tão triste e preocupada? Fale-me mais de suas filhas...
Não, deve haver outra explicação que a indiferença. A sociedade não é culpa, é desculpa. Afinal de contas o suicídio é algo particular, não é mesmo senhor Durkheim?

Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.