terça-feira, maio 01, 2007

Sobre a consciência das pequenas coisas



Quando criança, queria ser jogador de futebol. Mas não sempre. Tive vontade mesmo, daquelas bem grandes, de brincar para sempre. Subir e descer as ladeiras gigantes, salvar a menininha linda que, em seguida, se apaixonaria por mim. (Tentei uma vez um ato heróico com a vizinha mais linda do mundo. Levei um murro. Até hoje desconfio de minha vocação de salvador daqui, dali, ou de qualquer lugar). O namorado dela, meu inimigo, fazia uma arte marcial. Passei dias com uma dor no rosto. Meses com vergonha. E guardo até hoje uma ferida na alma.


Na adolescência tive o meu primeiro contato com a política não mediada pela vida de meu pai. Do meu pai havia aprendido que ter ética tinha a ver com compromisso com causas coletivas (tinha uma idéia vaga do que isso queria dizer). Havia notado nele, antes disso, que a idéia de compromisso tinha a ver também com cumprimento de todo tipo de acordo, dos mais simples (pagar as contas) aos mais complexos, os que exigem confiança mutua. Alguns chamam isso de honra.

Outro dia, um grande amigo ligou e contou-me: você viu a nota no jornal falando de você? Ela dizia que seu pai quer lhe ver na política. Não havia visto. Fui ver. A nota tinha informações fidedignas. Deve ter sido meu pai, pensei.

Ao longo desse blogue escrito certamente em linhas tortas, venho deixando transparecer razões para o sucesso relativo do meu esforço para incorporar o metier de sociólogo. Numa época a qual vejo que vários amigos chegaram a pensar seriamente na possibilidade de suas candidaturas, é engraçado perceber que ocupando uma posição privilegiada em relação à deles no que diz respeito uma real possibilidade de congraçamento pelas urnas, assumi sempre a idéia segundo a qual em terra de “filhotismos” é legitimo com tudo correndo a favor, nadar contra, em nome também de uma dignidade e de convicções políticas. Alguns próximos dizem: “mas você sabendo disso, não pode evitar os erros do filhotismo. Os filhos de políticos de direita não ficam pensando nessas coisas”. Na minha cabeça de sociólogo, mesmo que barato (sem publicações, sem produção acadêmica), eu tenho clara uma coisa: apesar de entender o porquê de alguns amigos pensarem nisso dessa forma, não acho que a consciência de um mal (o filhotismo), per si, tenha o poder de impedir suas conseqüências. As relações de poder que se estabelecem ao logo de uma vida familiar não podem, pela dimensão mesma da relação parental, se estabelecer de maneira profissional no âmbito de uma política desprovida de confusões entre o público e o privado. Para mim o problema não é saber ou não de minhas qualidades políticas, de minhas competências para agregar pessoas em torno de um projeto (tudo isso talvez exista e seja proveitoso diante de um estado de coisas piores), mas saber da autonomia de uma empreitada como essa diante de lógicas de funcionamento do mundo social que colocariam em cheque ora a relação familiar ora a relação profissional.

A olhos desavisados isso que digo pode parecer resignação diante de condicionamentos sócio-culturais, ou um reconhecimento tosco de um autoritarismo paternal. Muito pelo contrário, vivi sempre numa casa onde o direito de opinar contra era possível e mesmo louvável. E meu esforço é e continua sempre o de encontrar boas maneiras de intervir e construir liberdades possíveis dentro do mundo social violento e obtuso que é o nosso. Porém, não julgo ser possível lutar contra um inimigo de tal envergadura histórica (o filhotismo) com a ingenuidade de uma consciência libertadora em meu favor. Quantas sanções íntimas e invisíveis para mim e para os outros não se fazem porque é o pai e não o homem público quem fica em dificuldades numa campanha eleitoral, ou numa polêmica no que diz respeito à cidade? É o filho ou cidadão o interlocutor?

Quando criança queria ser jogador de futebol, mas não sempre. Hoje, depois de ter levado um soco, mas já tendo beijado algumas namoradas (que amei), além de ter saído da adolescência sem ter participado de política estudantil estrito senso, sonho em me tornar sociólogo com produção e descobrir quem sabe algumas coisas sobre a nova revolução burguesa da classe média de Casa Forte, que por alguma ironia do destino parece estar começando em Boa Viagem, pela reivindicação popular de um parque arborizado e cheio de verde, salvando assim, não só BV do concreto de Niemeyer, mas o mundo do efeito estufa.
Jampa.

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Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.