sábado, março 27, 2004

Reflexividade pela mimesis

Sempre reclamo de minha formação esburacada. Tenho mesmo a impressão de ter chegado na universidade sem saber ler, escrever. Lembro, de lembrança nítida acentuada de vergonha, do comentário duro e sem ternura vindo numa prova de teoria sociológica: " um texto sem parágrafos não é texto. Você deveria se dedicar a um estudo de redação." A dureza era mais na percepeção, pois se o texto havia saído sem as divisões era por ter imaginado aquele estudante pedante que poderia escrever como o Kant, que estava lendo. De fato, revendo a bendita avaliação vejo a inexistência nela de português inteligível. Na época acreditava de verdade numa tolice: escrever dificil era sinônimo de inteligência. Mas de onde vinha essa crença? Quais os motivos dela? Por que admirava tanto amigos inteligentes, "sabidos em escritura"? Acho que o problema vem da tentativa de imitar. Será?

Habitus de senso prático

Disse um grande sociólogo da segunda metade do século XX: a escola reproduz as inegualdades sociais. Formulação contra-intuitiva, aparentemente simplória, mas de profundo teor crítico, pricipalmente se pensamos num país como a França onde a ideologia da escola republicana é imbricada ao estatuto da igualdade de condições gerados por um aparato esducativo único, universal. O interessante nesse argumento para um estudante de início traumático como o meu é o de poder estabelecer, por entendimento téorico, uma distinção téorica entre formas distintas de aprendizado, modelando assim, as relações causais entre dificuldade de aprender pela pedagogia (na escola) e a facilidade. Em outras palavras Bourdieu diz por quais razões práticas (na verdade, uma ausência de prática teorica), os filhos de trabalhadores vão ter mais dificuldade para se adaptar ao sistema escolar. Ele chega mesmo a usar a palavra aculturação para ilustrar, em oposição a uma continuação vivida pelos filhos dos profissionais liberais , o processo vivido por aqueles alunos no seio do universo pedagogizado. De um lado, crianças vivendo uma aprendizagem semelhante à da escola em casa: seria por isso que não conflituam. De outro, mulecada aprendendo em casa por mimetismo, por imitação do gesto (e não pela objetivação da regra como na pedagogia): motivo pelo qual sentem-se fora de lugar, e enfrentam dificuldades maiores para entender as razões desse estranhamento.
No Brasil não vejo cabimento para essas análises tais como elas se encontram em França. Nossa educação não é unica e não precisamos de análises mais finas para poder perceber tantas desigualdades. Porém, não há como negar: elas situam bem, se as entendemos em sentido inverso, o mal estar de muitos dos intelectuais brasileiros das mais diversas origens. Penso que muitos deles (sendo autoditatas) passam por um processo de aprendizagem de tipo mimético: eles imitam estilos, formas, conteúdos para em seguida, depois da assimilação, caminharem em discurso defensivo em direção à autenticidade relativa dos seus trabalhos. Na verdade, muitos de nossos mais talentosos pensadores, imagino, formaram-se por uma espécie de inversão do processo formal, institucional do aprender. Como se fossem a pele da crítica do construtivismo à pedagogia clássica. Em outras palavras, assimilaram em senso prático o valor da objetivação efetivada pelo recurso pedagógico.

Prova de recuperação

Nunca tirei notas ótimas. Fui um péssimo aluno, uma peste. Burro mesmo, por assimilação. Acho que a falta de verbalização das preceduras de aprendizado é um indicador forte nesses mecanismos de bestificação de garotos em relação à cultura escolar. Numa casa onde as pessoas articulam oralmente, por exemplo, etapa por etapa, os passos que uma criança deve dar para aprender a andar(sei, é piégas meu jogo de palavras!), nela a mesma criança vai imcorporar os instrumentos de aprendizagem próprios à disciplina escolar. Já em outra residência a qual o pupilo é um ente fadado ao ensinamento dos tombos, do olhar como se faz, a escola provavelmente vai aparece como elemento de resistência maior, pois uma apredizagem da apredizagem se torna necessária.
Não sei do valor disso que venho de escrever. Sabarei pelos comentários.

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Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.