domingo, abril 04, 2004

Poça de Lama

Descrição de personagens

Raul, irmão de Romero e Ricardo. Filho do meio, como se diz, de Isabel e Raimundo. Criança de olho triste, fundo. Quase negro.Tem jeito de trombadinha. A mãe, apesar disso, além de o achar bonito, insiste em chama-lo de Meu Rei, de Meu Rico, de Meu Reino. Taxonomia nobre, de profunda demonstração de carinho para com o garoto de pobreza tão evidente.Sim, o corpo dele é fino, sem esperança. Mesmo assim, bateu peladas no Buracão.

Romero, irmão menor e mais chato, é tão magro que mesmo a maldade dele em periodo de odio é mingua e fraca. Ele tem cacimbas la onde outros seres humanos calculam ter saboneteiras. Coisa incrivel, nele, entre o ombro e o peito, pode-se guardar um pouco de agua em épocas de chuva. Penoso. Tapado. Carniçeiro. Urubu. Uma criança como tantas outras daquele lugar. Ele também jogou bola no Buracão.

Ricardo. A ameaça do maior e do mais forte. Dentes de cavalo. Cascudo adulto, defensor da prole moribunda. Autoridade arbitraria. Um tirano. Menos magro. Ainda menos negro. Ja transa com garotas. Se não faz, ensina uma tal de punheta. Diz ser quase o mesmo que foder. Sim, foi atacante no Buracão.

Descrição do local

O Buracão é um campo de futebol nos cafundois do Judas. Situa-se entre o fim de mundo e o começo de um outro fim, mais duradouro. Depois dessa região limitrofe, existe apenas uma linha de trem onde mortos aparecem de quando em vez. Individuos sem importância, pois aprende-se rapido a razão da morte deles: são pessoas màs, gente ligada ao trafico. Sujeitos fadados a esse tipo de destino.


Finalmente a poça

Paulinho jogava bola com alguns amigos na quadra da UR-6. O chão pegava fogo, o sol era de rachar, e todos continuavam naquela danação de pelada. Imagino que Dante não poderia ver crianças em inferno daqueles.
Os pés dos pequenos demonios, ja acostumados com toda dor, so esperavam tocar na bola para driblar e mostrar mais pericia.
Entre os de seu time, Queinho, Raul e Piu. Entre os inimigos Dinho, Ricardo e Daniel Capeta. Depois de horas a fio de futebol violento, sangrento, e idas e vindas aos bancos de espera, Helder, irmão do tal Paulinho voltou para casa. Nesse momento alguns grandes chegaram expulsando os menores, mais ou menos às 4:00 horas da tarde. Era sempre assim, na hora que o sol decia e a temperatura ficava amena os maiores usavam da lei do mais forte.
Nesse dia os pequenos decidiram continuar o jogo no famoso e temido Buracão. O problema é que o tempo mudara rapidamente e o sol dera lugar a nunves negras. A chuva era certa. Mas a vontade de jogar talvez fosse ainda mais. Então os mais teimosos, cheios de medo, partiram pela primeira vez sozinhos para o campo dos grandes. Afinal, sair de um inferno seco para um molhado, não poderia ser tão horrivel assim.
Pelada de gigantes na lama. Do pescoço para baixo era canela. Porrada não faltou. Porém, nenhuma pancada podia ser maior do que a da bola parada na poça de lama...
Momento tenso. Raul, o menor dentre todos naquele lugar imenso foi buscar a bola encharcada.Paulinho olhava tudo, perplexo. Pegando nela com a mão, o menino com jeito de trobadinha sente um pé encravado na terra. Aquele negro pequeno e magro gritava, não queria mais jogar. Tinha visto um morto. Daqueles sem importancia. O grito de pavor parecia indicar uma consciencia esquisita: quem teria o mesmo destino?
O presente mostrou o seguinte:
Piu, morto com tiro na frente de casa. Dinho, perseguido, acuado e não se sabe se continua vivo. Daniel foi assassinado de maneira cruel e o corpo deixado na frente da casa da madrasta. Raul, Romero e Ricardo devem estar bem, graças a deus. Paulinho conta a historia em terceira pessoa, com medo do pavor intimo de toda confissão.

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Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.