quinta-feira, maio 26, 2005



Variações literárias de um cobrador (tentativa)


Na hora do pico a mente e o corpo são um. Daí a sua capacidade de receber dinheiro de um passageiro, calcular o troco de um outro, sem perder de vista a gostosa sentada ao lado da cadeira do motorista. Moédas, trocados, passageiros : a roleta sempre controlada pelo joelho. E a música…

«… Rema, rema, rema remador. Vou botar no cu do cobrador… »

O time perdendo ou ganhando, não importa. Remador pede cobrador. Rima, explicam.

No fim do expediente sempre existem a fatiga e uma pergunta : o que teria sido se não fosse cobrador?

Sexta-feira, um deles teminou o trabalho. Seguimos o dito cujo. Queremos saber tudo.

Horário pacato, tempo de dar asas a imaginação.

- « E aí cobrador, o que é que você quer ser quando… ? »
- « Um grande escritor. »
- « Como assim grande escritor? explica isso melhor. »
- « Um escritor cobrador, ou um cobrador escritor. Como queiram ! »


Logo em seguinda o inusitado escritor acrescentou de supetão :

- « quero produzir textos para controlar mais da vida. Fazendo uma comparação sabe, dou sempre o exemplo do joelho na roleta. Gosto dessa analogia. Tenho talento. Não quero dizer com isso que só passa quem eu quiser.Não é isso.Se a palavra tiver o passe adequado(como o passageiro), bem, no meu caso é mais se o passe forma a palavra adequada, se ele forma aí vira texto, entendem? Assim é muito parecido com a roleta e os passageiros.»

Depois dessas palavras decidiu continuar(empolgou-se) :

-« alguns sonhos são realidade. »

Desconfiados, fomos atrás de pistas mais seguras para assegurar o depoimento. Uma aula de jornalismo. Encontramos um especialista no assunto. Um crítico que observou o artista e analisou a obra do cobrador. Intelectual requintado nos disse que:

-« a arte dele é de brincadeira. »

Depois completou com uma descrição erudita e meio que entnológica :

-« o cobrador artista brincou com as tabelas de passe estudantil e vale-transporte . Irônico como Voltaire. Com sarcasmo à Machado de Assis. Ele começou a colar os passes A, B e C no papel quadriculado. Como classificá-lo ? Inovador condiz, mas explica pouco sobre a prática do artista. Digo, do cobrador. O chamaria de fundador dos cobradores semi-dadaístas. De sua obra prima, que é sem dúvida o texto em seis letras intitulado ‘B -A- B - A- C- A’, diria ser uma espécie de nova expressão do desespero contido e traduzido pelo dengo silêncioso da cobrança. Todo cobrador cobra. Diria mais, o texto erige uma automanipulação de letras instrumentalizadas passse a passe ».

Voltamos ao cobrador escritor e constatamos seu tino de artista. Como um verdadeiro escritor lamentou o comentário do crítico dizendo :

-« Ele parece um passageiro. Não se pergunta sobre qual a dor do cobrador ? Qual a cobrança ? »

Cansados e sem respostas, acompanhamos o cobrador e artista até o ônibus e o vimos partir. Cremos que pensava nas moédas, trocados e passageiros. Na roleta controlada pelo joelho. Na gostosa ao lado do motorista. Na música… na literatura, quem sabe.

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Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.