quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Esboço de auto-alienação

Quem leu o Alienista de Machado não poderia concordar comigo. Mas como concordar com algo se ainda não se disse nada? Esperem um momento, por favor. Não sejam duros comigo antes do tempo. Vocês bem sabem que a narrativa moderna permite esse tipo de estratégia discursiva. Tem gente até que começa texto com vírgula. Tudo bem, não sou Lispector nem tenho status de Joyce. Não comi a tinta da caneta de um Guimarães Rosa nem me lambuzei na doçura de Drummond. Eu começo assim, e o leitor há de me perdoar.

De toda forma... Bem, ao menos nessa forma que é a minha, justifico-me. Aquele Aquiles leitor da obra machadiana legitimamente vai me contestar. Ele está ciente dos limites da ciência da alienação. Ele colocaria com razão a mim e as minhas idéias numa casa de isolamento. Insanidade mental de cor verde, diria ele em diagnóstico reflexivo. E perguntaria: andas comendo capim?

Mas isso tudo não passa de pura suposição. Não conheço os leitores de Machado. Então vou supor outro leitor, alguém mais conhecido...

Outro leitor exporia meu ridículo alegando falta de rigor na apreciação das causas estruturais da análise. Penso num marxista ortodoxo e imagino que ele me lembraria que alienação tem a ver com a mais-valia, com a divisão mecânica da organização do trabalho e, last but not least, com a luta de classes. Alienação, ele corrigiria em tom magistral, alienação tem a ver com o mundo existindo no antagonismo binário onde tudo é tensão entre força de trabalho e capital. O conflito entre força de trabalho e capital vai progredindo e aumentando paulatinamente com o desenvolvimento do próprio capitalismo gerando cada vez mais antagonismos. O futuro necessário é o socialismo. Claro, dirão alguns, você alienou boa parte da análise de Marx... colocando esse marxista ortodoxo para falar no seu texto. Aí eu fico incucado, pensando comigo mesmo, "é verdade, por que é que não estudei mais profundamente e exclusivamente e exaustivamente a obra de Marx?, eu estaria bem menos alienado. Estaria?"


***

Conheci mais de perto nos últimos meses os amantes da alienação. Vejo-os como pessoas inteligentes que odeiam a inteligência e seus “mestres da suspeita”. A libido sciendi, essa vontade de desvendar o mundo nos seus pormenores mais tinhosos, principalmente quando entendida na linguagem natural como ciência crítica, aparece aos olhos desses seres morosos (amorosos de certo irracionalismo) como um sinal de desafeto com o mundo. Ser crítico significa dizer desconfiar de tudo e de todos. Ser crítico não é uma postura epistemológica, mas uma postura ética, uma disposição moral que torna impossível o gay savoir. Bem, ao menos é assim que essas figuras dizem criticar de maneira acrítica a ciência crítica, seja lá o que isso queira dizer.

Eu do meu lado fico apenas a pensar sobre o fato de pensar não ser lá grande coisa. Na verdade , no fato de pensar que do jeito que eu penso não ser grande coisa. É melhor precisar para não ficar parecendo com aqueles criticados por mim.Vejamos o que temos: uma produção mínima com projetinhos inacabados e com reflexões pouco substantivas. Refletir deveria no mínimo ajudar a reflexão a progredir... Bem, mas isso tudo é “churumela”. Tudo que aliena a ação é alienação, por isso o pensar crítico é importante e constante luta contra si mesmo. O sinônimo disso é a reflexividade que vai incorporando as ferramentas da própria crítica como instrumento de nossa reflexão que vai e deve se voltar contra si mesma e assim por diante. Mas e a ação, que diabos é isso? É entrar no mundo do viver fazendo as coisas e depois se perguntar os porquês? É o agir duas vezes antes de pensar? Qual equilíbrio existe entre esses mundos que se contradizem um ao outro pela própria lógica da relação que estabelecem entre si? Pensar a respeito do valor desse pensar me aliena de todo o resto! É isso que penso ultimamente.
Perdoem-me pelo começo e pelo fim,

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Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.