sábado, fevereiro 18, 2006

Sobre o 6- Labô-Espetáculo Discute-Cena: Primeiras impressões



Cheguei ao auditório da Livraria Cultura. As exposições já haviam começado. O tema do encontro era Teatro de Grupo: Utopia, Resistência e Renovação. A mesa contava com vários grupos de teatro e, de cabeça, lembro apenas de alguns: Labô-Espetáculo, Totem, Santa Fogo, Marco Zero, Galpão das Artes. Deve estar faltando um ou outro, mas para o que proponho que é comentar e não fazer nenhuma análise com rigorismo ou detalhes, já basta. A idéia é apenas colocar algumas reflexões no papel (tela).

A sociologia vai dizer: a arte, e dentro dela o teatro, é um conceito normativo. E o que é que isso quer dizer? Quer dizer que existe uma disputa social para designar com legitimidade o que é e deixa de ser arte, o que é e o que deixa de ser boa arte? Mas o que ler de um encontro como aquele? Como explicar a existência de momentos tão dissonantes como a calmaria das exposições e a tempestade do debate?

Num debate como o proposto pelo Labô-Espetáculo, que tinha como mote inicial a existência de grupos de teatro no Recife (e em Pernambuco-com a participação de alguém vindo do interior representando o município de Limoeiro), não há como não aparecer algumas tensões latentes do mundo social específico do teatro. Essas tensões são muito representativas do tipo de realidade (realidade simbólica e material) onde os artistas locais desenvolvem seus trabalhos. (Isso precisaria de longos comentários a respeito do como se reprensentar essa realidade, de como entender seu funcionamento!)

A própria dinâmica de ânimos das apresentações calmas destoando do acalorado debate pode indicar muito sobre o espaço social das artes cênicas no Recife. Onde existe polêmica há luta por legitimação, diria. E isso deveria ser investigado.Mas a título especulativo diria que não deveria causar espanto aos olhos avisados ver o fato dos temas mais disputados terem sido aqueles lidando com a questão da profissionalização das artes cênicas, ou da industrialização, da criação do mercado, do fazer ou não fazer arte sem incentivo fiscal. O que é arte de qualidade afinal? Que tipos de relação e organização do trabalho artístico produzem boa arte?(Essa questão eu acho particularmente interessante) O que é ser ator? O que é profissionalizar-se em arte? O que é ter autonomia? O que é depender de um financiamento?

O campo artístico é um campo socialmente dependente de outros campos e todas essas questões o ligam, de maneira relativamente forte, às lógicas dos campos político e econômico. Essa relação de dependência do campo artístico em relação ao político e ao econômico muitas vezes não é vivida como tal pelos agentes interessados(a classe artistica em geral). Isso ocorre porque o elemento de refúgio da lógica propriamente artística do teatro, que tenta com todas as suas forças inverter os valores dos outros campos para legitimar-se como tal (lembro de Virginia falar sobre alguma necessidade quase instintiva do ator ao trabalhar sua expressão), parece nunca ser o suficiente para manter-se constante, mas mesmo nessa insuficiência ela serve para esconder o sistema de dependência escondido na chamada“necessidade de atuar”. Claro que essas considerações são de ordem muito genéricas a respeito de lógicas que organizam de maneira muito ampla os espaços sociais. Seria preciso entender mais e com mais detalhes a história do campo das artes cênicas e de seus agentes (atores, diretores, cenaristas, etc.) em Recife para poder captar as suas lógicas próprias.

Um exemplo de tensão

Pensar a temporalidade do Teatro de Amadores de Pernambuco e não perder de vista os problemas de legitimidade que o próprio campo artístico propõe, eis uma tarefa a ser feita por sociólogos das artes aqui no Recife. Vejam que o TAP foi discutido a partir de uma comparação entre as lógicas dóceis das relações de trabalho do teatro amador em oposição às competitivas e frias lógicas das relações do mundo profissional, ocultando assim, algo que me parece evidente e que apareceu apenas de modo implícito em algum momento no discurso dos próprios interlocutores: que tipo de valor propriamente artístico (relacionado a noção de valor artístico ao trabalho de elaboração com preocupação de cunho estético, etc. ) se atribui geralmente às produções do Teatro de Amadores de Pernambuco? Atribuir qualidades históricas (de tempo e duração institucional de um grupo) ao teatro não é dar-lhe reconhecimento artístico. Eis uma das coisas que é dureza num debate como esse, e que é facilmente colocada para debaixo do tapete da consciência (seja ela consciência artística ou não).

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Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.