sexta-feira, maio 11, 2007

Opinião de classe: sobre uma autocrítica sem flagrante criminal



Nada pode denunciar melhor nossa hipocrisia do que os esforços toscos por parte dos membros de nossa elite para “reconhecer” publicamente que alguma coisa está errada (com as atitudes nunca antes contestadas por eles). Esse tipo de meia culpa, é meia, para não dizer medíocre, até quando tenta ponderar sobre dividas sociais históricas das elites com o todo social.

Não deixa de ser engraçado ver gente se rebolindo, inquieto, reclamando das “algemas da democracia” (http://jc.uol.com.br/jornal/2007/05/11/not_231132.php - para assinantes). O texto de José Paulo Cavalcanti Filho, aqui mais uma vez, advogado, cai como luva de aristocrata no Jornal de Pais Mendonça. Ele mais uma vez aparece como condensador de lógicas de classe que, por omitir a posição real de quem o escreve (de membro da elite que agora percebe ser atacada), torna visível e condensada a eterna falta de sensibilidade de nossas elites com os problemas de ordem pública.

É claro que no texto se defende, aparentemente, valores universais:

“Todos devem responder por seus atos, claro. Se for o caso, devem também ir à prisão. Mas só depois do devido processo legal e de sentença judicial. Prisão, antes do processo, só em casos bem específicos: flagrante delito, risco de violência física, coação de testemunhas. Fora disso, resta só um gesto desnecessário e menor de autoritarismo.”

Mas é mais evidente que a preocupação não é com universo social como um todo:

“Na primeira e mais espalhafatosa dessas operações, o presidente da Schincariol foi preso e algemado em seu quarto. De madrugada. Tudo sob as luzes da TV. A acusação (ou pretexto) era a de fraude fiscal – sem que sequer tivesse sido lavrado o correspondente auto de infração, mais isso só se soube mais tarde.”

Claro que numa sociedade como a nossa, dizer as coisas dessa maneira pareceria por demais elitista, então que se faça a meia culpa:

“Para os homens simples do povo, foi quase um delírio. Depois de décadas de impunidade, com penitenciárias entulhadas só por pretos, pardos e pobres, agora também ricos eram presos. A prática, no imaginário coletivo, funcionou como uma revanche dos oprimidos. Mas foi mesmo legal a operação?, eis a questão.”

Sim, a velha e boa legalidade dos ricos. Aquela feita para proteger:
“Homens sem antecedentes criminais, e com endereço certo[e que agora] são privados da liberdade – sem que representem qualquer perigo à sociedade. Nenhum deles jamais nos assaltaria, pelas esquinas do Recife.”
Exato. Quem nos assaltaria são os pretos, pardos e pobres, para os quais a lei universal não se enquadra da mesma maneira (o novo chefe de segurança de PE já informou sobre o tratamento que ele visa dar aos bandidos e marginais do povo, cadê as manifestações em prol da legalidade?), pois para eles ela funciona apenas no sentido de jogá-los nas celas amontoadas das nossas prisões. Mas diante de um tal estado de coisas, a meia culpa não podia ficar por aí:
“Nem é de hoje, esse autoritarismo. Que esses brasileiros anônimos, por tempo demais, são os mesmos que já sofrem nas cadeias sem mesmo ser condenados. Com nomes anunciados, com estardalhaço, pelas delegacias de polícia. Aviltados, diariamente, em programas policiais de rádio – em que são invariavelmente exibidos como arrombadores e maconheiros, também sem ser antes condenados. Tudo sob o silêncio cúmplice das elites.”
O que se esquece de dizer é que não apenas o silêncio é cúmplice, mas a palavra também. Porque no final das contas, a voz aparece em defesa de um ideal universal, não para responder aos exageros da policia e da imprensa cotidiana contra os mais oprimidos, mas num momento onde membros da elite estão “sofrendo” com possíveis exageros da Policia Federal (com direito, inclusive, a defesa pública de ex-governador - hilariante ver Jarbas falando de “espalhafato” da Policia Federal, porque a mesma prendeu empresários pernambucanos envolvidos com agora mais famoso do que nunca cartel dos combustíveis, diga-se, o objeto central da defesa de José Paulo Cavalcanti Filho).
Por essas e por outras, a crítica legitima dos possíveis exageros das autoridades policiais envolvidas no caso de prisões de ricos se revestem de um particularismo enviesado de classe. Nele, é o fato de “[d]epois de décadas de impunidade, com penitenciárias entulhadas só por pretos, pardos e pobres, agora também ricos eram presos” que influenciou no imaginário coletivo (que é coisa de pobre, de povinho que não pensa, só reage irracionalmente) dando a impressão de “revanche dos oprimidos”. E a lei ? pergunta atônito o autor que pensa nos pobres para salvar os ... seus.

Jampa

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Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.