Nuvens, Sonhos e ... Psicanálise.
“Inculcaram-me nesse tempo a noção de pitombas – e as pitombas me serviram para designar todos os objetos esféricos. Depois me explicaram que a generalização era um erro, e isto me perturbou.” (Graciliano Ramos, Infância, 1945).
Graciliano Ramos intitulou “Nuvens” o primeiro capítulo de suas memórias de infância. O título não se referia aos condensados de água, claro. Nele encontramos mais o atributo da imaginação contido nas nuvens que é em última instância forma que ganha forma através de imagens. Ou melhor dizendo, da imaginação. É aquilo que a literatura faz com o real (mesmo quando realista): ela transforma flocos flutuantes informes em dragões alados, em cachorros fantásticos, em tigres com dentes de sabre. Transforma pitombas em generalização teórica, mundo empírico em um abstrato.
Existe um site que sempre visito onde as pessoas contam sonhos . Na experiência psicanalítica, como numa grande construção literária dando formas às nuvens de nosso inconsciente, ao verbalizar e tornar visíveis as imagens sonhadas, damo-nos os meios para que nossa imaginação analítica interprete aspectos de nosso mundo psíquico que, naquele momento, torna inteligível, ou ao menos sensível, a natureza informe do universo dos sonhos. Um dos primeiro sonhos que li no site citado me impressionou bastante. Não consegui encontrá-lo novamente, mas o reformulo aqui em liberdade literária. Espero que o dono não venha tirar satisfações comigo de minhas interpretações, afinal de contas, tanto uma (a liberdade literária) como outra (minhas interpretações) são totalmente imaginadas. Então vamos a minha reformulação:
“Um adulto a quem penso ser eu chega para fazer sua análise. Não era bem um consultório, mas uma casa, familiar. A analista pedia para o adulto que ainda penso ser eu tirar a camisa e fechar os olhos. Eu achava, pensando que ele era eu, que ela queria me hipnotizar. Eu senti agora já sabendo de mim umas carícias nas costas e ela me balançava. A psicanalista falava coisas e eu não entendia. Perguntava-me por que eu continuava de olhos abertos. Eu tinha a impressão de fechá-los, mas de continuar sempre vendo.
Depois ela sentou, explicou-me umas coisas que não me lembro se entendi ou não. De repente entrava uma criança no quarto que estávamos. A psicanlista tentava explicar pra o meninote muito afavelmente que estávamos numa análise. Entrava outra criança. Eu tentava encontrar minha camisa. Linda, a analista me passava minha roupa e eu ia me vestir numa espécie de armário. Eu a via conversar com uma mulher enquanto tentava confusamente me vestir. Tinha medo de que alguém me visse naquela situação, mas ao mesmo tempo achava que todo mundo sabia que não havíamos feito nada demais. Só análise. Mesmo assim, achava que as pessoas desconfiavam da psicanálise como subterfúgio para o sexo. Alguma coisa aconteceu e me vi em situação de sair da casa sem conseguir estar vestido.
Vi-me vestido com uma calcinha. Na hora que tentei calçar meus sapatos, vi que já havia sapatos nos meus pés. Tirei-os e calcei os outros. Continuava de calcinha e isso me incomodava.
Ao sair da casa teve a coisa do peixe...
Uma rua que ficava ao lado de um canal ou um rio, não se sabe bem, foi cenário de um espetáculo nuca visto. As pessoas falavam do peixe sol. Observei, admirado, a estranha beleza desse peixe. Ele reluzia a água podre e fétida e ao redor dele, a água parecia pura e límpida. Existia uma particularidade nesse espécime que merece toda uma atenção: ele só morria por causa de uma doença, a gripe. ”
Claro, toda interpretação de sonho precisa de um contexto. Precisa de uma estrutura psíquica, de uma história de vida, que dêem suporte analítico a interpretação daquele sonho. Não conheço o dono do sonho e todas essas informações me são desconhecidas. Como encontrar nexo num peixe que morre de gripe? Ou nas imagens de um adulto com medo de ser julgado por fazer sexo ao fazer psicanálise? E o que dizer de calçar sapatos em pés já calçados? E a calcinha?
Uma pergunta que sempre me fiz e pode ajudar nesse esforço é: como, uma ferramenta tão especifica de análise, como é a da psicanálise, pode dar conta de casos tão diferentes, tão heterogêneos e se conceber, em fim de conta, como uma teoria explicativa de estruturas mais gerais do inconsciente humano. A mesma psicanálise que cuida das neuroses alheias cuida das minhas, que invariâncias psíquicas estão por trás dessa “funcionalidade” psico-analítica? Como pitombas podem virar esferas e “representar” tudo que é redondo no mundo? Como o sonho de outrem pode se transformar em nuvem com formas que dêem vazão a minha imaginação?
Como não tenho respostas, deixo aqui a esperança nublada do resto...
Jampa.
“Inculcaram-me nesse tempo a noção de pitombas – e as pitombas me serviram para designar todos os objetos esféricos. Depois me explicaram que a generalização era um erro, e isto me perturbou.” (Graciliano Ramos, Infância, 1945).
Graciliano Ramos intitulou “Nuvens” o primeiro capítulo de suas memórias de infância. O título não se referia aos condensados de água, claro. Nele encontramos mais o atributo da imaginação contido nas nuvens que é em última instância forma que ganha forma através de imagens. Ou melhor dizendo, da imaginação. É aquilo que a literatura faz com o real (mesmo quando realista): ela transforma flocos flutuantes informes em dragões alados, em cachorros fantásticos, em tigres com dentes de sabre. Transforma pitombas em generalização teórica, mundo empírico em um abstrato.
Existe um site que sempre visito onde as pessoas contam sonhos . Na experiência psicanalítica, como numa grande construção literária dando formas às nuvens de nosso inconsciente, ao verbalizar e tornar visíveis as imagens sonhadas, damo-nos os meios para que nossa imaginação analítica interprete aspectos de nosso mundo psíquico que, naquele momento, torna inteligível, ou ao menos sensível, a natureza informe do universo dos sonhos. Um dos primeiro sonhos que li no site citado me impressionou bastante. Não consegui encontrá-lo novamente, mas o reformulo aqui em liberdade literária. Espero que o dono não venha tirar satisfações comigo de minhas interpretações, afinal de contas, tanto uma (a liberdade literária) como outra (minhas interpretações) são totalmente imaginadas. Então vamos a minha reformulação:
“Um adulto a quem penso ser eu chega para fazer sua análise. Não era bem um consultório, mas uma casa, familiar. A analista pedia para o adulto que ainda penso ser eu tirar a camisa e fechar os olhos. Eu achava, pensando que ele era eu, que ela queria me hipnotizar. Eu senti agora já sabendo de mim umas carícias nas costas e ela me balançava. A psicanalista falava coisas e eu não entendia. Perguntava-me por que eu continuava de olhos abertos. Eu tinha a impressão de fechá-los, mas de continuar sempre vendo.
Depois ela sentou, explicou-me umas coisas que não me lembro se entendi ou não. De repente entrava uma criança no quarto que estávamos. A psicanlista tentava explicar pra o meninote muito afavelmente que estávamos numa análise. Entrava outra criança. Eu tentava encontrar minha camisa. Linda, a analista me passava minha roupa e eu ia me vestir numa espécie de armário. Eu a via conversar com uma mulher enquanto tentava confusamente me vestir. Tinha medo de que alguém me visse naquela situação, mas ao mesmo tempo achava que todo mundo sabia que não havíamos feito nada demais. Só análise. Mesmo assim, achava que as pessoas desconfiavam da psicanálise como subterfúgio para o sexo. Alguma coisa aconteceu e me vi em situação de sair da casa sem conseguir estar vestido.
Vi-me vestido com uma calcinha. Na hora que tentei calçar meus sapatos, vi que já havia sapatos nos meus pés. Tirei-os e calcei os outros. Continuava de calcinha e isso me incomodava.
Ao sair da casa teve a coisa do peixe...
Uma rua que ficava ao lado de um canal ou um rio, não se sabe bem, foi cenário de um espetáculo nuca visto. As pessoas falavam do peixe sol. Observei, admirado, a estranha beleza desse peixe. Ele reluzia a água podre e fétida e ao redor dele, a água parecia pura e límpida. Existia uma particularidade nesse espécime que merece toda uma atenção: ele só morria por causa de uma doença, a gripe. ”
Claro, toda interpretação de sonho precisa de um contexto. Precisa de uma estrutura psíquica, de uma história de vida, que dêem suporte analítico a interpretação daquele sonho. Não conheço o dono do sonho e todas essas informações me são desconhecidas. Como encontrar nexo num peixe que morre de gripe? Ou nas imagens de um adulto com medo de ser julgado por fazer sexo ao fazer psicanálise? E o que dizer de calçar sapatos em pés já calçados? E a calcinha?
Uma pergunta que sempre me fiz e pode ajudar nesse esforço é: como, uma ferramenta tão especifica de análise, como é a da psicanálise, pode dar conta de casos tão diferentes, tão heterogêneos e se conceber, em fim de conta, como uma teoria explicativa de estruturas mais gerais do inconsciente humano. A mesma psicanálise que cuida das neuroses alheias cuida das minhas, que invariâncias psíquicas estão por trás dessa “funcionalidade” psico-analítica? Como pitombas podem virar esferas e “representar” tudo que é redondo no mundo? Como o sonho de outrem pode se transformar em nuvem com formas que dêem vazão a minha imaginação?
Como não tenho respostas, deixo aqui a esperança nublada do resto...
Jampa.
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