quinta-feira, junho 28, 2007

“[...] E que o desprezo dos metodólogos por tudo que se distancie tanto dos cânones estreitos que eles mesmos forjaram em termos absolutos do rigor serve frequentemente para mascarar a superficialidade rotineira de uma prática sem imaginação e quase sempre alijada daquilo que constitui a condição verdadeira do verdadeiro rigor: a crítica reflexiva das técnicas e dos procedimentos.” (P. Bourdieu)


Por uma sociologia dos sociólogos recifenses

Primeira Parte

1- Homo Academicus à CFCH: lição de estranhamento


A aula inaugural de Pierre Bourdieu no College de France começa com as seguintes palavras:

“Nós devíamos poder pronunciar uma lição, mesmo que inaugural, sem se perguntar com qual direito: a instituição está aqui para descartar essa interrogação, e a angustia ligada ao arbitrário que se faz presente dentro dos começos.” (Leçon sur la Leçon, les editions de minuit, 1982.p 7)

Bourdieu sabia que era isso mesmo que ele estava fazendo, pronunciando uma aula que lhe era de direito e que lhe atribuía legitimidade. Tanto sabia que usou desse recurso para mostrar que a ciência que ele ali representava estava lá para por em suspenso, ou ao menos em suspeita, algumas das legitimidades ali presentes. A sociologia, dizia ele, " ciência da instituição e da relação, feliz ou infeliz, à instituição, supõe e produz uma distância intransponível, e às vezes insuportável, e não apenas para instituição; ela arranca o estado de inocência que permite de preencher com alegria (grifos do próprio Boudieu) as expectativas da instituição."

Para ele, imagino, jogando com o jogo de palavras e de posições que estão ao seu alcance, fazia-se possível, porque decorre daquilo mesmo que a sociologia exige e produz, uma defesa da reflexividade como propriedade mais fundamental da ciência que assumiu como sua: “todas as proposições que esta ciência enuncia podem e devem se aplicar ao sujeito que faz a ciência”. Não vou aqui discorrer sobre o que, nessa visão, acarretaria na falta de alegria dos intelectuais ao se verem como um objeto de estudo da sociologia. Mas falarei mais de meus incomodos de não poder tomar meu universo como objeto de conhecimento sociológico.

Começar falando de uma aula magistral (e aqui, realmente magistral, porque dada com a presença dos mestres já consagrados da instituição), realizada na França, numa das instituições de maior prestigio daquele país, para falar de meu estranhamento com o universo do CFCH, pode parecer, no mínimo dos mínimos, esdrúxulo. Mas como negar, de minha parte, que, tanto a leitura como o contato direto com uma sociologia tributária dessa perspectiva reflexiva, são fontes constantes de angustias e inquietações com relação aos padrões de produção sociológica do qual hoje faço parte? Mais. Em auto-crítica, ou em esforço disso, pergunto-me se minhas angustias com relação aos tais padrões, já que não estão, como tudo o mais, embasadas (as angustias) em um verdadeiro inventário sociologicamente fundado de razões, pergunto-me se não são elas apenas caprichos arrogantes herdados da assimilação de uma cultura sociológica produzida nos grandes centros de produção acadêmica. O que foi assimilado nesses centros parece ou aparece como deslocado quando transferido para uma região periférica de produção acadêmica. Essa é minha impressão. E estas as questões que dela decorrem: não estaria eu reproduzindo, em moldes um pouco diferentes, uma lógica normativa de imposição de uma maneira de lidar com a sociologia digna de uma mente colonizada? Não estaria assumindo para mim parte daquilo que imagino criticar quando extravaso minhas angustias?
De fato, digo-me, enquanto a angustia permanece em estado latente, como acontece comigo, ela não se torna capaz de elaborar a pergunta que seria a meu ver a única sociologicamente rentável: o padrão de produção da sociologia cefichiana não poderia ser ele, como pede a reflexividade própria à sociologia a qual me inspiro objeto de aplicação do conhecimento sociológico?


Não é sem auto-complacência que se diz que não se entra em sociologia sem esgarçar as aderências e adesões pelas quais integramos um grupo, sem condenar as crenças que são constitutivas do pertencer e renegar toda ligação de afiliação ou filiação. Mas para entrar em sociologia é preciso o quê? Quando e como podemos nos considerar sociólogos e ser considerados como sociólogos? Não seriam essas dúvidas que a instituição deveria neutralizar? Para quem essas questões realmente importam?

Pertencer ao mundo do CFCH para mim é entender que esse estranhamento meu deve encontrar respaldo na sociologia mesma na qual deposito minhas crenças (esperanças de elucidação e esclarecimento do modus operandi do mundo social) e com a qual me esforço de entender o mundo, inclusive o meu mundo de produção (o universo dos intelectuais cefichianos). Mas entender isso significa apenas e não mais do que isso um dizer-se a si mesmo que em um momento ou em outro seria preciso um debruçar-se propriamente sociológico sobre esse mundo, saindo assim de mera doxa intelectualizada com vínculos em visões sociológicas já feitas do mundo, para construção de um discurso real e sociologicamente embasado a respeito das condições de um tipo de produção que hoje de alguma forma desmereço sem conhecer realmente suas razões de ser.

Nas falsas brincadeiras com amigos nas quais falamos de “cefichismo” (doença intelectual com sintomas como “teoréia aguda” ou o “mal da erudição empaca pesquisa”, ou ainda um “antisociologismo crônico”), estamos diante desse estado de coisas cujo meu estranhamento é apenas mais um sintoma: ele é uma vontade de entender por que alguns valores da produção do conhecimento sociológico são postos em questão de maneira concreta, apesar de velada, por todos nós.

Por razões que julgo obvias não tomaria como objeto de estudo os intelectuais das ciências humanas e sociais do CFCH. Tão obvias quantos minhas razões seriam o valor de uma sociologia que, descrevendo nosso mundo de produção sociológica, mais ou menos do jeito que ele é e produz, nos daria os meios de entender, entre outras coisas, porque continuamos a não conseguir querer de fato saber quem nós somos.
Jampa.

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Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.