Meu último trabalho acadêmico defendido foi aos meus olhos um “fracasso sociológico”. Ele queria ser um trabalho de sociologia sobre A Padaria Espiritual e terminou sendo uma reflexão sobre o “tentar dar conta desse objeto” usando as ferramentas conceituais legadas pela sociologia de Pierre Bourdieu. O engraçado e estranho é que um ano antes desse trabalho eu havia feito um outro, sobre São Bernardo de Graciliano Ramos, com uma postura sociológica mais intensa e empírica, tratando do romance como fonte de reflexão sobre a presença da sociologia na obra literária supracitada.
O mais curioso é que depois de ter passado um ano a mais (de socialização acadêmica) e tendo dois interlocutores que dão forte ênfase à sociologia empírica, Norbert Bandier e Bernard Lahire, eu tenha feito um trabalho que, a contrapasso do anterior, era uma reflexão epistemológica com pouco volume de análise material. Esse retorno “teorizante” a um trabalho conceitual sobre os conceitos tinha certa razão de ser: fazendo um trabalho a pedido de Bandier – que pouco afeito à língua portuguesa tinha dificuldades de dar continuidade ao estudo do grupo de poetas cearense do final do século XIX que tanto lhe intrigava – tentei tirar proveito, com o material que ele tinha em mãos (que não era muito) do que ele já havia feito. Meio sem jeito, tentei fazer uma leitura minha do objeto proposto por ele. O resultado foi uma reflexão sociológica confusa, sem base empírica satisfatória, que se apoiava em uma postura sem dúvida reflexiva, mas que dava pouco ou nada ao entender sobre a Padaria Espiritual e seu contexto sócio-histórico.
Volto aqui ao que me deteve no trabalho sobre A Padaria Espiritual e seu contexto. Eu tinha o entendimento de que naquele período de balbuciar da Republica, momento de euforia causada pela Abolição e pela própria proclamação... eu tinha o entendimento de que nesse contexto não se podia falar principalmente na periferia do país em um campo estruturado de produção cultural e, muito menos, em um campo literário. Na época eu estava lendo Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, que trazia a respeito de época similar a que eu estava estudando uma análise em modo de ensaio, sobre a relação do tipo de socialização do brasileiro com algumas de suas disposições (ou falta delas) para lidar com as fronteiras entre os espaços público e o privado, discernimento que era exigência da modernização do Estado nos moldes da evolução que teria sido alcançada em alguns países da Europa. Nesse sentido, apoiado na instigante intuição ideal típica de Sergio Buarque, tentei ler os jornais que foram publicados pela Padaria Espiritual sistematizando os “atributos de cordialidade” ou os “aspectos não intelectuais da vida intelectual” (causadas pela socialização específica dos brasileiros) dos integrantes do grupo. O resultado é que não encontrei, para meu desespero, mas para o bem da reflexão posterior, nenhum atributo que pudesse ser disposto de maneira sistemática como “traço marcante da forma de produzir dos intelectuais que fosse cordialidade” nem, de maneira absoluta, nenhum aspecto não-intelectual da postura dos intelectuais que pudesse “falsificar” sociologicamente a “positividade” daquela produção específica. A idéia de homem cordial parecia assim só poder se amparar em exemplos esparsos de nossa realidade histórica e, nesse sentido, o exemplo da produção da Padaria Espiritual não seria diferente. Só forçando uma interpretação, eu poderia dizer que que os intelectuais da Padaria Espiritual faziam debates literários falsos no sentido de que debatiam literatura antes da formação de um campo literário relativamente estruturado em Fortaleza. Foi ai que percebi que existia algo de profundamente normativo na idéia de campo e que diz respeito ao vínculo que ela tem com o contexto social que deu vazão ao seu substrato analítico. A idéia de campo, apesar de ser um conceito relacional apoiado na idéia de autonomia relativa, revela todo seu o lastro com a sociedade francesa na medida em que, resumo em síntese: “quando mais a autonomização dos campos é visto como um processo endógeno para a França, mais se torna preciso levar-se em conta um sistema de importações no caso do Brasil”. Sendo ele um conceito elaborado para dar conta de lógicas internas de autonomização, parecia-me um grande desafio poder instrumentalizá-lo de maneira positiva para dar conta de um caso de periferia da periferia, como de um grupo de poetas produzindo em Fortaleza, Céara, daquela época.
Dito isso, volto ao meu post anterior para refletir sobre os comentários de Cesar. Eu sou muito crítico à idéia de jeitinho brasileiro em vários planos. E um deles é o que trata do jeitinho, como no caso do Raízes do Brasil, como traço de uma brasilidade fruto de uma socialização homogênea que seria dada pela hipertrofia das lógicas do privado sobre o público. Essa crítica eu faço no plano intelectual mais ou menos pelas razões dadas e alcançadas pelo fracasso do meu referido trabalho “sociológico”. Mas, como moderação a isso que digo, entenda-se que esse ser crítico não quer dizer jogar fora a banheira de água suja com o menino dentro. E aqui chego à razão de ser de minha “mordaça voluntária”: na minha vivência do dia a dia, eu sinto nas pessoas que o tipo de diferenciação feita entre os espaços público e privado é muito, muito, muito controversa. Inclusive eu mesmo, com toda reflexão e cuidado, tendo a confundir, em momentos de tensão principalmente, o que é crítica ao prefeito e o que é ao meu pai. Talvez isso valha para qualquer contexto (não creio, visto que em alguns países a figura do político é muito mais próxima a de um “funcionário administrativo” do que a de “profeta carismático” como aqui). Em todo caso, como toda mudança que o Brasil vem passando, é dessa percepção pessoal que vem minha “omissão interessada”. Vontade de abrir o verbo não faltou. Mas fico pensando que a ausência, ao menos dessa perspectiva específica que consigo vislumbrar, é a maneira mais digna de, pelo silêncio, manter a integridade pessoal e a dos próximos.
No mais me sinto extremamente contemplado com a sentença do amigo: “Nunca a classe política ficou tão quieta e unida. O rabo preso parece ser a lei universal, o nomos fundador do campo político de Pindorama. Tucanos e petistas, antes tão beligerantes, agora se unem, não por um projeto de nação, mas por uma cumplicidade abjeta com os crimes de Dantas.” Sim, sim. O fato de Dantas estar ao menos respondendo por seus crimes do colarinho dourado, é indício de mudança. Mas o que indica o pé atrás do companheiro... um “o que isso companheiro?”
O mais curioso é que depois de ter passado um ano a mais (de socialização acadêmica) e tendo dois interlocutores que dão forte ênfase à sociologia empírica, Norbert Bandier e Bernard Lahire, eu tenha feito um trabalho que, a contrapasso do anterior, era uma reflexão epistemológica com pouco volume de análise material. Esse retorno “teorizante” a um trabalho conceitual sobre os conceitos tinha certa razão de ser: fazendo um trabalho a pedido de Bandier – que pouco afeito à língua portuguesa tinha dificuldades de dar continuidade ao estudo do grupo de poetas cearense do final do século XIX que tanto lhe intrigava – tentei tirar proveito, com o material que ele tinha em mãos (que não era muito) do que ele já havia feito. Meio sem jeito, tentei fazer uma leitura minha do objeto proposto por ele. O resultado foi uma reflexão sociológica confusa, sem base empírica satisfatória, que se apoiava em uma postura sem dúvida reflexiva, mas que dava pouco ou nada ao entender sobre a Padaria Espiritual e seu contexto sócio-histórico.
Volto aqui ao que me deteve no trabalho sobre A Padaria Espiritual e seu contexto. Eu tinha o entendimento de que naquele período de balbuciar da Republica, momento de euforia causada pela Abolição e pela própria proclamação... eu tinha o entendimento de que nesse contexto não se podia falar principalmente na periferia do país em um campo estruturado de produção cultural e, muito menos, em um campo literário. Na época eu estava lendo Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, que trazia a respeito de época similar a que eu estava estudando uma análise em modo de ensaio, sobre a relação do tipo de socialização do brasileiro com algumas de suas disposições (ou falta delas) para lidar com as fronteiras entre os espaços público e o privado, discernimento que era exigência da modernização do Estado nos moldes da evolução que teria sido alcançada em alguns países da Europa. Nesse sentido, apoiado na instigante intuição ideal típica de Sergio Buarque, tentei ler os jornais que foram publicados pela Padaria Espiritual sistematizando os “atributos de cordialidade” ou os “aspectos não intelectuais da vida intelectual” (causadas pela socialização específica dos brasileiros) dos integrantes do grupo. O resultado é que não encontrei, para meu desespero, mas para o bem da reflexão posterior, nenhum atributo que pudesse ser disposto de maneira sistemática como “traço marcante da forma de produzir dos intelectuais que fosse cordialidade” nem, de maneira absoluta, nenhum aspecto não-intelectual da postura dos intelectuais que pudesse “falsificar” sociologicamente a “positividade” daquela produção específica. A idéia de homem cordial parecia assim só poder se amparar em exemplos esparsos de nossa realidade histórica e, nesse sentido, o exemplo da produção da Padaria Espiritual não seria diferente. Só forçando uma interpretação, eu poderia dizer que que os intelectuais da Padaria Espiritual faziam debates literários falsos no sentido de que debatiam literatura antes da formação de um campo literário relativamente estruturado em Fortaleza. Foi ai que percebi que existia algo de profundamente normativo na idéia de campo e que diz respeito ao vínculo que ela tem com o contexto social que deu vazão ao seu substrato analítico. A idéia de campo, apesar de ser um conceito relacional apoiado na idéia de autonomia relativa, revela todo seu o lastro com a sociedade francesa na medida em que, resumo em síntese: “quando mais a autonomização dos campos é visto como um processo endógeno para a França, mais se torna preciso levar-se em conta um sistema de importações no caso do Brasil”. Sendo ele um conceito elaborado para dar conta de lógicas internas de autonomização, parecia-me um grande desafio poder instrumentalizá-lo de maneira positiva para dar conta de um caso de periferia da periferia, como de um grupo de poetas produzindo em Fortaleza, Céara, daquela época.
Dito isso, volto ao meu post anterior para refletir sobre os comentários de Cesar. Eu sou muito crítico à idéia de jeitinho brasileiro em vários planos. E um deles é o que trata do jeitinho, como no caso do Raízes do Brasil, como traço de uma brasilidade fruto de uma socialização homogênea que seria dada pela hipertrofia das lógicas do privado sobre o público. Essa crítica eu faço no plano intelectual mais ou menos pelas razões dadas e alcançadas pelo fracasso do meu referido trabalho “sociológico”. Mas, como moderação a isso que digo, entenda-se que esse ser crítico não quer dizer jogar fora a banheira de água suja com o menino dentro. E aqui chego à razão de ser de minha “mordaça voluntária”: na minha vivência do dia a dia, eu sinto nas pessoas que o tipo de diferenciação feita entre os espaços público e privado é muito, muito, muito controversa. Inclusive eu mesmo, com toda reflexão e cuidado, tendo a confundir, em momentos de tensão principalmente, o que é crítica ao prefeito e o que é ao meu pai. Talvez isso valha para qualquer contexto (não creio, visto que em alguns países a figura do político é muito mais próxima a de um “funcionário administrativo” do que a de “profeta carismático” como aqui). Em todo caso, como toda mudança que o Brasil vem passando, é dessa percepção pessoal que vem minha “omissão interessada”. Vontade de abrir o verbo não faltou. Mas fico pensando que a ausência, ao menos dessa perspectiva específica que consigo vislumbrar, é a maneira mais digna de, pelo silêncio, manter a integridade pessoal e a dos próximos.
No mais me sinto extremamente contemplado com a sentença do amigo: “Nunca a classe política ficou tão quieta e unida. O rabo preso parece ser a lei universal, o nomos fundador do campo político de Pindorama. Tucanos e petistas, antes tão beligerantes, agora se unem, não por um projeto de nação, mas por uma cumplicidade abjeta com os crimes de Dantas.” Sim, sim. O fato de Dantas estar ao menos respondendo por seus crimes do colarinho dourado, é indício de mudança. Mas o que indica o pé atrás do companheiro... um “o que isso companheiro?”
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