segunda-feira, novembro 17, 2008

Posições: Cesar, Jampa e uma tese sobre Graciliano Ramos

Pé na Jaca no meu Eunismo blogueiro ( entre amigos)



Minha amiga Wander me enviou recentemente as matérias da Bravo! (não encontrei o link da matéria mesma, mas quem quiser pode me pedir que mando por e-mail) de março de 2003. Naquele momento se comemoravam os 50 anos da morte de Graciliano Ramos e a revista dedicara a capa e alguns artigos ao autor de Vidas Secas. O título presente na capa: “A resistência do camarada Graciliano”. A ele se seguia um complemento: “ Começa a ser relançada a obra do militante que dispensou o discurso panfletário para se tornar um dos maiores romancistas brasileiros”. Ok.

A matéria agora me interessa pouco. Na verdade, a lembrança da amiga me fez relfetir sobre alguns elementos pessoais que julgo importantes sobre construção de minha tese. Como eles não poderão aparecer de forma real no corpo de meu trabalho, aproveito o tom sempre mais egocentrado do blogue para fazer de mais um dia improdutivo de trabalho, um momento de dividir os dilemas e os percalços de quem se aventura numa empreitada intelectual como esta. Por que diabos escolhi estudar a obra de um autor tão canonizado?

Confessaria que a culpa foi de meu amigo Cesar. Eu cometi esse desvio em direção à literatura por pura falta de conhecimento e pela interlocução que estabelecemos e que continuamos até hoje. Fui ludibriado pelo amigo. E agradeço.

Mas até aqui nenhum problema. Nossos amigos tem todo o dever de nos ajudar a encontrar nossos caminhos, mesmo quando eles não estão conscientes (nem nós) do impacto deles em nossas vidas. Existe algo nessas influências que não são apenas do domínio do anedótico, elas entram no terreno do emblemático. Daqui em diante é esforço de situar minhas tomadas de posição intelectuais (digamos assim) em função das que eu imaginava serem as dele (de Cesar), formulando assim uma parte, não a menos importante, do que me levou chegar até aqui.

Hoje meu trabalho se encontra numa situação interessante e delicada justamente por conta do tipo de relação hesitante que tenho com a literatura (sobretudo em relação à crítica literária, domínio do conhecimento que detém, no Brasil, e não só aqui, uma espécie de monopólio sobre o discurso literário). Na minha busca inicial por legitimação num universo até então desconhecido por mim (o acadêmico), o modelo que tentei seguir, em certo sendido a minha revelia, era o de uma intelectualidade tal como a que incarnava o meu amigo teuto-sergipano. E não creio que isso tenha sido ruim.

Foi assim:

Foi com ele que ouvi pela primeira vez nomes que desconhecia, como o de Roberto Schwarz e, pasmem, Antonio Candido. Foi depois dele que li um pouco desses autores. Sim. E através dele, por conta de suas visitas constantes e intermináveis as bibliotecas, que percebi que o conhecimento não vinha sozinho para nós durantes as aulas. Sim, obrigado. Essas coisas se aprendem. E para mim é sempre engraçado ouvir de outras pessoas testemunhos parecidos com o meu.

Tem mais. A partir dele fui modulando as percepções que eu mesmo tinha e tenho sobre o que a literatura representava para mim. E ter ficado na sociologia parece-me uma maneira embora lacunar, legítima de tentar consolidar as especificidades de um tipo típico de intelectual a habitus clivado. Eu escolhi a literatura, em outras palavras, para poder aceitar mal ou bem as impressões de Jampa sobre Jampa. Eu estou permanentemente seduzido por uma visão de mim mesmo como sendo a de um “intelectual pela metade”, formado pelo esforço de vencer pelcaços, e não pela positividade de um percuso escolar e acadêmico impecável que corroborariam com as expectativas do mundo sobre minha própria intelectualidade.
Essa visão de intelectual completo, pelo recurso da proximidade, quem me dava era ele, Cesar. Não que ele fosse de fato (ninguém é completo, sabemos), mas o modelo, digamos assim, do que era ser mais inteiro em termos de dedicação e obtenção de resultados estava para mim delineado naquele sergipano de estirpe recifense.

Essa impressão de imperfeição em mim tem portanto ligação com minha relação de amizade com o amigo (poderia citar outras pessoas como Diogo, ou Mestre Giva no caso dessa minha gênese intelectual, mas fico com Cesar para não complexificar demais o sistema). Tal impressão continua e se acentua no caso da tese na medida em que sou forçado a forjar meu discurso sociológico contra a autonomia perniciosa da crítica literária. Crítica literária que é a profissão par excelence daquele que me enfiou sem saber nessa enrascada dos diabos.


Devo uma explicação quanto ao "perniciosa" dito a respeito da autonomia da crítica literária. Não tenho nada contra a crítica literária e muito menos contra o meu amigo Cesar, muito pelo contrário, retiro dos dois (da crítica e de Cesar) grande parte de minha motivação para dar cabo de meu trabalho. Mas a elaboração da autonomia disciplinar sobre o objeto literário impele meu trabalho a margem do processo de inteleção das obras. E isso porque a crítica é aparentemente invencível, uma vez que, como crítica da sociologia, a crítica literária está sempre se definindo e se redefinindo em refinamento e autenticidade. E isso na medida em que concebe sua autonomia, em redundância cabida, no estudo do que existe de mais autonomo na literatura: suas formas. Quem em sã consciência ousaria dizer que em se trantando de estudos literários, a sociologia não deva ser apenas uma “visão de mundo” que apoia à critica no desvendar dos mistérios literários? Eu heim!


Pois bem, noves fora minha “ousadia” de tentar tratar a obra de Graliano Ramos pelo seu contexto, coisa batida, mas também menosprezada e pouco feita (tendo em vista aqui o desnível do tratamento dado entre os demais elementos do Arquivo Graciliano Ramos no IEB e o dado à serie Recortes, onde se encontram recortes de jornais feitos pelo próprio autor sobre as opiniões críticas aparecidas em jornais sobre sua obra, esta última parte é a que eu estudo), eu ousaria dizer em meu favor o seguinte: em meio a deficiência e a leituras precarias fica a idéia de uma preocupação legítima com os elementos que compõem uma obra para além dela e de seu autor. Coisa que é também batida, sem dúvidas, mas que raramente é feita e que pode ter sua valia independentemente do refinamento alcançado no tratamento analítico da obra ela mesma.


E nesse breve percurso, arrogo-me a dizer: dos muitos escritos que li sobre a obra do Velho Graça, de tão tematizados por adjetivos repetidos, eu diria que esse volume de crítica dedicada a sua obra dá à idéia de “lugar comum” uma semântica toda apropriada onde a redundância chega a ser uma coisa desleal, ela reforça em pleonasmo as coisas que são sempre ditas e reditas a respeito do autor. “Obra indissociavel do homem”, “homem engajado que não se rendeu aos ditames da hortodoxia do realismo socialista”, “um dos maiores romancistas brasileiro”. Não diria que essas coisas são mentiras, ou que estão erradas. Mas elas vem sendo ditas desde do falecimento do autor, em 1953. Por que não se fala no processo de legitimação pública pelo qual sua obra passou durante a comemoração do seu aniversário de 50 anos largamente registrada pela imprensa da época? E depois, com mais intensidade, quando sabida a gravidade de sua doença, no aniversário de 60? Nenhum estudo dessa ordem tiraria dele(Graciliano), a meu ver, a importância e a relevância de sua obra literária(atribuida pelo julgo da crítica), só acrescentaria, mais uma vez a meu ver, um conhecimento sobre os mecanismo que toda obra (grande ou pequena em valor artístico) tem que enfrentar para se tornar grande ou pequena na representação que nos fazemos dela socialmente (o que inclui também, ora bolas, seu valor estético).

Assim realizo e explicito esse meu diálogo implícito com meu amigo Cesar. Um diálogo tão latente quanto a sociologia que analiso na obra e nos leitores que registraram opinião sobre os livros de Graciliano nos jornais. Neles (nos diálogos implícitos) se revelam aspectos de um caminho percorrido (não todos, e nem os que foram salientados se esgotam em si mesmos). Devem continuar ocultando muito(ainda os diálogos), mas, no blogue como na vida, é precisso confiar no processo. E continuar executando as etapas, e se possível melhorar o que produzimos levando em conta o que é possível fazer ao condiderar nossos limites atuais. Assim, mais um texto se finda, mas deixa em aberto, como não poderia deixar de ser, o que deve ser desvelado desse esforço de tentar desvelar tantas coisas.

2 comentários:

slavo disse...

legal a produtividade do seu blog, Jampa, pena que eu tenha andado sem tempo para ler todos os post.
Interessante vc expor essa "dívida" intelectual e humana com César, geralmente a pesquisa "científica" é tratada nos rígidos de ditames da linguagem impressa, escrita, publicada, na tentativa de reduzir a margem de subjetividade, mas é exatamente alguns elementos ditos subjetivos porque não palpaveis que dão e geram a possibilidade de objetividade de um trabalho.
O César sem dúvida está acima de média e expressa a verdadeira vocação intelecutal, não fruto de uma visão romantisada, mas do ofício que assim como artíficie na sua vida diária constrói e descontrói madeiras e idéias.
Lembro numa aula em que o César disse algo como: "Acho que um estudante aqui de C.S. tem que ler pelo menos 3 horas por dia" E boa parte estupefato com despautério, considerando absurdo, coisa de nerd, "tanto tempo" de estudo. Bem em se tratando de CFCH realmente é um absurdo, pois parte significativa não lia nem 3 horas por semana. Mas isso dá a dimensão da idéia - que em música é uma necessidade, se não "não sai nada"- da mínima disciplina para atividade intelectual [ou não].

Anônimo disse...

Pois é Jorge. Essas dívidas precisam ser divididas porque é com e contra elas que continuamos a realizar nosso estranho periplo nesse mundo. Ler três horas por dia... parece uma idéia tão estranha agora que se lê bem mais do que isso... o problema todo é a estranheza que as tarefas ligadas ao intelecto trazem consigo em nossa terra. Faz pensar sempre que em terra de sego quem tem olho... Em terra de tantos iletrados quem... É uma situação sempre tão delicada. Em todo caso meu recado nesse texto foi muito esse que você ressaltou: existe algo no universo subjetivo que pode servir para entender nossos esforços de objetivação no mundo, com suas qualidades e limites. Valeu Jorge. Abraço.

Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.