sábado, dezembro 13, 2008

Teste da foto: memória presente de algumas veredas



Hoje encontrei por acaso com alguém inesperado. Luciana, talvez minha primeira namorada. Não lembro nem se a beijei um dia. De recordação presa na memória, mesmo, só ficou aquela imagem da casa dela, na frente de uma praça que era um pouco distante da minha, na UR-6.
Encontrá-la e ver esta foto aqui hoje me deixou reflexivo...


Já tentei lembrar o que diabos estavamos vendo nesse dia. Mas desisti. Acho até que Diogo já me lembrou uma vez, mas minha memória é por demais seletiva. Já apaguei da minha a recordação dele. Talvez alguém falando sobre marxismo, ou sobre a sociologia pós-estruturalista, ou sobre alguma bobagem dessa que se vê num auditório cheio de estudantes de graduação em ciências sociais. Mas nada disso importa, mesmo.

Na foto temos, dos que mais convivi, da direita para esquerda (a ordem é quase sempre importante): Dosta, Frávio, Cesar, Jampa e Diogo. Logo atrás, Cunegundes e mestre Giva... Acho que Simone está à esqueda, mais ao fundo, sempre de preto. E penso reconhecer Adriana ainda mais atrás , mas não tenho certeza alguma.

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Cada um com seu cada um, dizia um amigo da UR-6. Ele repetia essa frase em alguns tipos de situação. Um amigo te traiu, "cada um faz o seu. Cada um com seu cada um. Não é assim não?" Eu achava incrível aquela franqueza individualista. Era uma coisa tupiniquim, violenta. Não confie em ninguém. Seja auto-suficiente, assim você sobrevive melhor. Ainda hoje acho isso raro. Não sei bem a razão, mas essa frase me ficou e acho que individualismo é isso: "cada um com seu cada um" E depois, para piorar, tendo a pensar que essa maneira de ver sempre acompanha um certo naturalismo conservador "não é assim não?". O individualismo, para mim, é fruto do medo naturalizado do outro.

Hoje percebo que aquela maneira de falar de meu amigo da UR-6 era um código. Decifro-o agora: para o pior, que ocorre tão freqüentemente, é sempre bom estar preparado. Cada um com seu cada um é uma vacina que prepara o espirito para a virose chamada mundo. Uma vacina que parecia proteger contra a certeza de um futuro incerto, sem perspectivas onde quem vence é sempre um traidor. Lugar hobbesiano, onde em todos os momentos se vivencia a luta do bem contra o mal, onde uns são bons e outros são maus. Um universo sem muitas palavras "não é assim não é ?"

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A foto do post traz um mundo sobreposto a esse, espaço onde encontrei as palavras para falar sobre o silêncio que aquele outro sem foto evoca. Uma descrição do meu visual semi-punk, pós-nietzschiano, peseudo-filosófico, pode, com o esforço amigo do leitor, denunciar a tensão existente entre invisíveis co-existindo alí. Em mim, naquela cabeça raspada com uma mecha de cabelo correndo até a orelha esquerda, os dois mundos se degladiavam. E o look debochado, nem totalmente marginal nem perto de ser convencional, era uma maneira de expressar toda a violência daquele momento de aprendizado.

Incorporar um vocabulário esquisito, formal, era também senão esquecer, impultar ao mundo silencioso, aquela nova maneira de falar e entender as coisas, inclusive do velho mundo, cheio de girias e palavrões vulgares que, naquele contexto, só queria calar.
A foto traz amigos que hoje mal ou bem, ou mal e bem, estão aí inseridos nesse mundão a fora. Professores universitários, pesquisadores, empregados de orgãos públicos, etc. Da UR-6 quase nunca tenho notícia. Luciana, a encontrei no parque da Jaqueira, ela tem uma pscina de bolas para crianças bricarem. Do meu amigo autor da frase que deliniou minha recusa institiva à filosofia complexa que enfatiza o individuo como base analítica da vida social (sociedade, such a impossible thing to think!), soube apenas que o irmão dele foi preso por traficar cigarros. Mas já se soltou e vive uma vida muito parecida com a minha, onde cada um faz o seu, não é assim não é?

6 comentários:

slavo disse...

Legal essa foto! Vi também a Taciana no fundo, estaria eu perdido nesta foto já envelhecida-cendo?? acho que o César é o unico que não teve qualquer ritual de passagem entre mundo ontológico e o mundo espitemológico.. rs

Anônimo disse...

1) Jampa, creio que era uma palestra comemorativa dos 10 anos do PET. Por isso estava todo amolfadinha na foto. Salvo engano, era uma palestra de Joanildo Burity sobre "o terceiro da globalização".

2) É interessante ler o seu relato sobre a sua própria imagem àquela época, pois ela discrepta muito de minha própria leitura. Veja só essas ironias. Enquanto vocë se consumia nessa divisão dilaceladora entre dois mundos, eu via seu estilo como sendo de uma classe média alternativa, que estava só agora conhecendo. Uma classe média alternativa que eu via, de algum modo, nos caquianos mais experimentais, nos cefichianos mais mangue-boys. Claro que eu conhecia seu drama. Mais pelo diálogo do que pelo estilo. É curioso isso.

Jampa disse...

Jorge... todos nós passamos pelo ritual de passagem, inclusive o Cesar. Na entrevista dele, que por sinal o projeto tá emperrado, isso transparece bem. O CFCH estbelece uma ruptura com o que ele conhecia da experiência da escola. Mas eu confio nesse projeto, e a retomada dele precisa apenas de um empurrão.

Jampa disse...

Cesar, devo confessar uma coisa depois de ler esse teu comentário: eu também não me via dessa forma na época. Mas não tem como não voltar com os olhos de hoje ao passado e não perceber que as escolhas daquele momento (inclusive de estilo, que até hoje tenho) eram frutos de toda uma divisão interna gerada, em parte, pela apartação sufocante dos mundos aos quais, mal ou bem, eu pertencia. É um pouco como analisar uma obra pelo seu contexto, dependendo de com qual fineza analítica você a faz, as escolhas de estilo podem ser ou não elucidadas por uma relação de conformidade ou incorformidade ao contexto. Acho que minha "inconformidade" visual tinha o substrato implícito da tensão que me ocupava a cabeça. Mas que não tira a ligação do meu visual com a forma "alternativa" da classe média cefichina. Eu fui um mangue-boy classico. Nos conformes do que a época estabelecia.
Abração!

Anônimo disse...

César se lembrou bem. Essa era a palestra de Joanildo Burity, sobre o terceiro da globalização. Era o evento dos dez anos do PET sim. Eu me lembro porque fui um pouco mais arrumado nesse dia. Na verdade, eu estava achando muito chata a palestra e não entendia nada. Acho que se você pudesse espremer o texto do Burity, em linguagem auto-referenciada (eu acho que só ele sabia o que ele queria dizer), tudo caberia em duas páginas... Afinal de contas, o que é o terceiro da globalização?

Abraço camarada,

Diogo

Lenina Mesquita disse...

Nosso primo Moisés dizia: "Cada um com seu cada qual"

Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.