"O ser humano, guiado pelo sentido da beleza, transpõe o acontecimento fortuito [o caco] para fazer dele um tema que, em seguida, fará parte da partitura de sua vida. Voltará ao tema repetindo-o, modificando-o, desenvolvendo-o, transpondo-o, como faz um compositor com os temas de sua sonata" (Milan Kundera, A insustentável leveza do ser).
Uma vida pode ser lida como um amultuado de cacos. Se guiada pelo ímpeto da beleza, ela pode acomodar os pedaços, compondo as arrestas irregulares e, sem medo de imperfeições, conceber-se enquanto mosaico. Durante muito tempo esse foi um conceito realativamente aceito de arte, de composição artistica.
O que é uma vida bem vivida? Seria essa a pergunta mais fundamental?
Transformar cacos em beleza talvez seja, no fundo(de onde não me perguntem!), a tarefa de todo ser humano adulto diante de sua própria existência real. Reorganizar em lógica que busca harmonia, as frases, os temas (Jorge, não ria de mim, não sou músico!), que, se o compositor for bom, se fundirão todos em sonata...(em boa sonata). Numa dimensão de totalidade onde as partes interagem entre si de tal forma que não se pode mais notar a natureza fragmentada oriunda dos sons - (caramba, hegelianismo numa fase dessa da vida devia ser estritamente proíbido) , a melodia, ou seja, os cacos de uma vida reagrupados de maneira harmônica (ou harmoniosa), revelam o esforço de apagar dissonâncias (as arestas que são atributos de qualquer caco), e a "beleza" seria assim entendida como a vitória desse errafecer de disformidades sonoras.
Eu gosto de mosaicos. São metáforas formidáveis da existência humana. Nele, talvez esse o segredo do seu belo, os fragmentos não desaparecem: eles se conformam à beleza. As vezes, em momentos de paz, sinto-me um mosaico de mim mesmo.
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