Le Roi se Meurt : educação pela morte
Intelectualizar a morte talvez seja algo mórbido para alguns. Em alguns momentos seria mesmo arrogante tentar tirar lições de tal tema. Não pretendo fazer isso aqui. Esse pequeno texto, pegando minhas recordações de uma leitura antiga, vem apenas exorcizar alguns sentimentos meus que foram gerados pela consciência da dor de alguns amigos diante de uma perda recente.
Não encontrei o livro. E usarei, nesse breve comentário, algumas notas que fiz na época de minha leitura.
Alguns filósofos falam de uma “crise da morte” que envolve o ocidente desde o século XIX e dura até nossos dias. Os dados dessa crise se manifestariam de maneira contraditória: por um lado nós somos eternamente jovens, a medicina nos salva da morte (mesmo que a morte esteja sempre presente?); e de outro, a recusa da morte como problema apareceria como origem mesma da dita crise. O mote dessa crise seria uma verdade tipicamente moderna: a morte não é, para nós, uma “verdade nova”, é uma “verdade que esquecemos”. Eu me sinto profundamente identificado com essa interpretação do nosso lidar desajeitado com esse tema tão fundamental, com essa realidade tão necessária que... “esquecemos”.
Ao ler o Le roi se meurt de Eugène Ionesco nos deparamos com três fisionomias da morte que atormentam a personagem do rei: o morrer (que é fase terminal da vida, identificável, sobretudo, na velhice e na doença); a mortalidade ou, em outras palavras, o destino biológico, e, por fim, a finitude (consciência da mortalidade). O rei é que diz: “Não é natural morrer, porque não queremos. Eu quero ser.” O rei é quem encarna em si o “modelo” da citada crise da morte por “querer sempre ser, ele conhece apenas isso” e que sendo “sempre assim” organiza a trama da peça, como personagem principal que, como quer Ionesco, confronta-se aos designos do tempo num dado espaço: “seria preciso que ele não olhasse mais ao seu redor, que não mais se apegasse às imagens, seria preciso que entrasse nele mesmo e que ele se trancasse”, diz Marguerite ao rei, completando a frase dizendo “ não fale mais [da morte], cale-se, fique dentro. Não olhe mais, isto te fará bem”. Houve quem quisesse explicar a modernidade, o seu aparato tecnico e de espetacularização do mundo, como a tentativa de realização desse desejo de esquecimento da morte. Como odeio essas generalizações digo apenas que na peça encontramos os dados da reflexão de Ionesco: a morte como dado, a rejeição da necessidade dela pela vontade, a consciência que tensiona entre vontade e a inevitabilidade do fim.
O teatro, tido como espetáculo, convence mais do que a realidade. Talvez isso ajude a entender como a trama faz lembrar, dessa forma, um esquecimento nosso: a morte, precisamente sua atualidade que é constante, estando sempre presente, vem sempre a contrapelo do esquecimento que vai “reagir” erigindo-se em tautologias epidérmicas enraizadas em nosso próprio medo: “a vida é contrário da morte. Queremos a vida, a morte é um absurdo”. A morte, teatralizada, revela assim um paradoxo contido na linguagem: a morte, entendida como ausência/presença, é constrangida a dizer pela linguagem que não existe nada a dizer, um verdadeiro paradoxo dos paradoxos. Nada mais nada menos do que um problema sem idade: o que é viver quando sabemos que vamos morrer? o que é morrer quando sabemos que devemos viver?
Podemos de fato viver a morte (luto)? E falar a seu respeito, é possível? Sendo possível do que isso valeria?
De fato, e pensava isso comigo mesmo ao assistir “Six feet under”, a morte quando chega é fator de significação da vida. A sua presença redimensiona prioridades e equaciona valores. O fato de esquecê-la com freqüência, em rito de nossa modernidade frenética e medical, fazem-nos mais vulneráveis ao que chamamos de crise da morte: ao esquecer de nossa condição talvez mais fundamental de seres vivos, a vida e a morte, duas faces da mesma moeda, só se tornam sacras, infelizmente, na dor.
Não encontrei o livro. E usarei, nesse breve comentário, algumas notas que fiz na época de minha leitura.
Alguns filósofos falam de uma “crise da morte” que envolve o ocidente desde o século XIX e dura até nossos dias. Os dados dessa crise se manifestariam de maneira contraditória: por um lado nós somos eternamente jovens, a medicina nos salva da morte (mesmo que a morte esteja sempre presente?); e de outro, a recusa da morte como problema apareceria como origem mesma da dita crise. O mote dessa crise seria uma verdade tipicamente moderna: a morte não é, para nós, uma “verdade nova”, é uma “verdade que esquecemos”. Eu me sinto profundamente identificado com essa interpretação do nosso lidar desajeitado com esse tema tão fundamental, com essa realidade tão necessária que... “esquecemos”.
Ao ler o Le roi se meurt de Eugène Ionesco nos deparamos com três fisionomias da morte que atormentam a personagem do rei: o morrer (que é fase terminal da vida, identificável, sobretudo, na velhice e na doença); a mortalidade ou, em outras palavras, o destino biológico, e, por fim, a finitude (consciência da mortalidade). O rei é que diz: “Não é natural morrer, porque não queremos. Eu quero ser.” O rei é quem encarna em si o “modelo” da citada crise da morte por “querer sempre ser, ele conhece apenas isso” e que sendo “sempre assim” organiza a trama da peça, como personagem principal que, como quer Ionesco, confronta-se aos designos do tempo num dado espaço: “seria preciso que ele não olhasse mais ao seu redor, que não mais se apegasse às imagens, seria preciso que entrasse nele mesmo e que ele se trancasse”, diz Marguerite ao rei, completando a frase dizendo “ não fale mais [da morte], cale-se, fique dentro. Não olhe mais, isto te fará bem”. Houve quem quisesse explicar a modernidade, o seu aparato tecnico e de espetacularização do mundo, como a tentativa de realização desse desejo de esquecimento da morte. Como odeio essas generalizações digo apenas que na peça encontramos os dados da reflexão de Ionesco: a morte como dado, a rejeição da necessidade dela pela vontade, a consciência que tensiona entre vontade e a inevitabilidade do fim.
O teatro, tido como espetáculo, convence mais do que a realidade. Talvez isso ajude a entender como a trama faz lembrar, dessa forma, um esquecimento nosso: a morte, precisamente sua atualidade que é constante, estando sempre presente, vem sempre a contrapelo do esquecimento que vai “reagir” erigindo-se em tautologias epidérmicas enraizadas em nosso próprio medo: “a vida é contrário da morte. Queremos a vida, a morte é um absurdo”. A morte, teatralizada, revela assim um paradoxo contido na linguagem: a morte, entendida como ausência/presença, é constrangida a dizer pela linguagem que não existe nada a dizer, um verdadeiro paradoxo dos paradoxos. Nada mais nada menos do que um problema sem idade: o que é viver quando sabemos que vamos morrer? o que é morrer quando sabemos que devemos viver?
Podemos de fato viver a morte (luto)? E falar a seu respeito, é possível? Sendo possível do que isso valeria?
De fato, e pensava isso comigo mesmo ao assistir “Six feet under”, a morte quando chega é fator de significação da vida. A sua presença redimensiona prioridades e equaciona valores. O fato de esquecê-la com freqüência, em rito de nossa modernidade frenética e medical, fazem-nos mais vulneráveis ao que chamamos de crise da morte: ao esquecer de nossa condição talvez mais fundamental de seres vivos, a vida e a morte, duas faces da mesma moeda, só se tornam sacras, infelizmente, na dor.
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