domingo, outubro 26, 2008

Dialogo com o feminismo: ainda sobre o caso Santo André

Eu gostaria de tentar expor de maneira mais clara minha opinião a respeito do caso Santo André situando-me em relação à visão feminista do caso, coisa que tentei fazer já no outro texto, mas de maneira incipiente.


Eu começaria dizendo que acho legítimo o esforço de fugir do efeito de ratificação do real que seria negar a presença das mediações dos esquemas de dominação masculina no caso de Lindemberg. Negar isso, seria ignorar um problema de ordem maior na estruturação das relações sociais que pesa, em todos os niveis da hieraquia social, sob a posição de subordinação das mulheres em relação aos homens. Não se trata de negar isso.

Porém, acredito ser preciso ponderar sobre o peso da análise desse tipo de fenômeno pelas feministas no caso da morte de Eloá(três opiniões aqui). Não raro, para fugir do efeito paradoxal que o descrever os efeitos negativos da dominação masculina e ou da exploração de mulheres por homens gera, somos impelidos a usar os recursos analíticos da análise feminista admitindo que é preciso “deixar de lado a análise da submissão, por medo de que, ao admitir a participação da mulher na relação de dominação, não se leve a tranferir dos homens para as mulheres a carga de responsabilidade”(J.Benjamin, 1988. p9*).
Sei. É difícil saber a real medida das coisas. Principalmente em situações onde se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Tratar a dominação masculina em termos de submissão pode significar estar dando mais armas à opressão. Não julgo a dificuldade. O paradoxo existe e consiste no risco mesmo de acentuar os elementos negativos das diferenças culturais na natureza dos dominados e explorados.

No caso dos textos feministas aqui comentados, “a culpabilização das vítimas” e a “vitimização dos culpados” aparecem como elementos centrais do tratamento equivocado dado ao crime visto que “[c]rime passional não existe! [O] crime é a misoginia do sequestrador, dos policiais, do governador e da mídia! As mulheres morrem porque os homens odeiam quando elas são mulheres, elas mesmas, em vez de SUAS namoradas, SUAS esposas, SUAS mães.”( Ana Reis, A "crise amorosa" do Coronel Felix); ou ainda que “eles não são apenas crimes passionais, eles podem [ser] situados numa teia complexa de construção de valores sociais que forjam um feminino fraco, vulnerável, incapaz e sem condições de decidir a própria vida, em contraposição a um modelo de masculinidade rígido e legitimado socialmente a partir da força, da dominação e do controle. São de certa maneira estes alguns dos elementos que mantém os mecanismos psíquicos do poder na constituição do sujeito e a na construção da sujeição” (Sandra Raquew, Eloá. O que as mídias e os especialistas não discutem).

Sem negar que esses menanismos sociais balizados pela diferença de sexo estão em funcionamento no momento da crise, no seu desenvolvimento e final, acho que não podemos/devemos perder de vista uma coisa: do ponto de vista da sociologia, o por em evidência a influencia da dominação masculina sobre as culturas do masculino (habitus masculinos na terminologia bourdieusiana), não é, em nenhuma instância, tentar desculpar os homens. Como disse Bourdieu é mais, naquilo que uma perspectiva analítica pode ter de engajada “mostrar que o esforço no sentido de libertar as mulheres da dominação, isto é, das estruturas objetivas e incorporadas que se lhes impõem, não pode se dar sem um esforço paralelo no sentido de liberar os homens dessas mesmas estruturas que fazem com que eles contribuam para impô-la.”(Pierre Bourdieu, A Dominação Masculina, 2007.p 136).**

Ao ler os textos feministas com esse conteúdo tenho a impressão de entender melhor porque o militantismo às vezes torna delicada uma abordagem não apenas articulada com o particularismo político dela proviniente. O melhor dos movimentos políticos, nesse sentido, está fadado a fazer má ciência, isso, caso não consiga transformar suas disposições subversivas em instrumentos realmente reflexivos, em ferramentas de uma auto-crítica. Mais uma vez tento esclarecer que o objeto de minha reflexão é essa confusão: todo esforço de descrever a verdade da relação entre os sexos torna-se, numa visão particularista, sempre uma maneira de ser condescendente com as mulheres agora que pode se tratar, justamente, de uma decrição de como as mulheres terminam sendo objetos de codescendência.


Nesse sentido, e em outros ainda, continuo achando que outras lógicas sociais foram mais importantes para o resultado do caso. Lindemberg deve ser julgado pelos crimes que cometeu. Mas não apenas por representar o machismo de nossa sociedade, que do ponto de vista da análise de sua presença no mundo social, enquanto estrutura objetiva que ordena também elementos da subjetividade de homens e mulheres, torna a leitura desse código(o machismo) problemática já que homens e mulheres podem estar reproduzindo esse esquema de dominação masculina inscrito nos códigos socio-culturais mesmo com toda boa vontade(inclusive dentro de uma visão feminista). Como condenar estruturas cognitivas presente e difusas no mundo social por crimes por elas ocasionados? O crime será julgado pelo fato de ser crime. Deveria a polícia ter atirado no rapaz em nome dos direitos das mulheres e contra o androcentrismo? Acho sinceramente que os critérios de uma decisão como essa deveriam ser outros.

Continuo pensando que a mídia (razões de lógica de mercado, audiência, etc.) e a polícia (por incompetência) são as duas principais responsáveis pelo final trágico da história. E isso porque foram as instituições que mediaram os elementos dessa realidade social dada (mediando inclusive às lógicas machistas operando na visão de amor de Lindemberg).

Obs. Também fico indignado com a corbetura novelistica do assunto. O Jornal do Commercio (para assinantes) e o Diario de Pernambuco deste domingo (26/10/2008) trazem matérias com essa melosa e melodramatica visão de amor romântico, os que os pais devem fazer etc...

Ps: achei interessante esse exemplo ainda da visão feminista , ver nesta carta.

* J. Benjamin, The Bonds of Love, Psychoanalysis, Feminisme and the Problem of Domination, New York, Pantheon Books.

** Pierre Bourdieu, A Dominação Masculina, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.

2 comentários:

Kali disse...

Oi, Jampa, Acho legal essa tentativa de diálgo com o feminismo...
Mas acho de fato que algumas questões ainda são cegas para você, tudo que você fala é legítimo, mas o buraco é muito mais embaixo e muito mais profundo.
Existem elementos que realçamos porque de fato enxergamos assim em nossa cultura, ocidental e oriental, com as suas nuances tão específicas... de submissão e menor valoração ás mulheres.
Vejo muitos relatos e inclusive os jornais colocam o "amor que mata". Só essa frase, que em si é absolutamente cega, já diz muito da compreensão equivocada, inclusve das pessoas que querem tratar o caso seriamente.
A questão da vítima realemnte é muito mole para ser pega, pois se ampliarmos isso, Lindembergue também é vítima de uma lógica de amor e de relações que o fez acreditar que sem ela ele não podia viver, e que sem ele ela deveria ser morta..
Acho que faltam elementos, e por mais que o seu diálogo seja sincero, ele ainda tem ficado, do meu ponto de vista, "nas boas intenções", e sei que o esforço é válido, mas, usando uma frase de uma amiga: "os homens podem se compadecer da situação das mulheres, mas nunca padecer".
E quando leio o que você escreve, ao menos para mim, fica claro o seu lugar de homem nos pontos de vista que defende... não quero tratar aqui de uma guerra dos sexos, mas dos elementos e das discussões importantes para permitir te alavancar desse lugar.
Beijos.

Anônimo disse...

Oi Kali,

Bom te ter por aqui no Oxymore. E que bom que você reconhece meu esforço (eu deveria ter intitulado meu texto de fato de "Tentando dialogar com o feminismo..."). Mas justamente por ser sincero no que escrevo, eu gostaria de entender mais e melhor meus pontos cegos de homem para sair desse meu lugar. Por que acredito na sociologia como instrumento e ferramenta importante para o aprimoramento de uma democracia? Acho que é porque não posso concordar com a frase de tua amiga. Claro, ser homem, na condição de homem, vai sempre me impedir de falar da condição feminina na situação de mulher. Mas o dialogo entre os diferentes (apregoado nos valores tensos da democracia) só se faz dentro desses limites. A sociologia faz basicamente isso o tempo todo quando fala de dominados, excluidos, marginais, elites, dominantes,etc. Os sociologos (homens e mulheres de classes sociais muitas vezes semelhantes) precisam falar de coisas que não são, de homens e mulheres que se apresentam em categorias diferentes.
Então pergunto: o que na minha visão (que a meu ver não desdiz as lógicas de gênero) é ainda visão do macho adulto branco sempre no comando? O que digo é que não temos instrumentos para culpar "estruturas sociais" e que o crime vai ser julgado pelo que ele foi, um crime passional (onde as lógicas do machismo estão presentes). Dito isso, acho que o fundamental no ocorrido veio da relação da mídia com a polícia porque acredito que, com ou sem machismo, o desenrolar do caso poderia ter sido, se não outro, mais digno.

Quem sou eu (no blogue)

Recife, Pernambuco, Brazil
Aqui farei meu diario quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o "oxymore" pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: "bien écrire le médiocre", dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.